08 de outubro de 2016 | N° 18655
MARTHA MEDEIROS
Voo solo
Vivemos num mundo em que a independência, a liberdade e a autonomia são hiperconsideradas. No entanto, as pessoas ainda se sentem intimamente aterrorizadas com a perspectiva da solidão, mesmo que momentânea
Cheguei faz pouco de uma escapada: passei uma semana sozinha em Nova York. Cruzei por lá com outros viajantes desacompanhados, gente do mundo todo, dos 18 aos 80, mas parece que essa realidade ainda causa desconforto para aqueles que não se imaginam fazendo o mesmo. Na volta, ao entrar no táxi que me trouxe do aeroporto pra casa, o motorista puxou assunto e me questionou se eu gostava de viajar desse modo. Prefiro viajar com namorado, respondi, mas, se estou num período de entressafra, vou igual e gosto muito. Ele sentenciou: Você pensa que gosta.
Do alto de seu desconhecimento a meu respeito, ele decretou que eu mentia para mim mesma. Petulância facilmente explicável: é mais fácil duvidar do desprendimento dos outros do que assumir a própria incapacidade de se satisfazer consigo próprio.
Vivemos num mundo em que a independência, a liberdade e a autonomia são hiperconsideradas. É o que queremos para o país que a gente vive, é o que desejamos de uma profissão, é o que pretendemos para nossos filhos ao se tornarem adultos. Valores que dignificam o caráter e que tornam as relações mais íntegras e verdadeiras. No entanto, as pessoas ainda se sentem intimamente aterrorizadas com a perspectiva da solidão, mesmo que momentânea.
Em Nova York, conversando com uma jornalista inglesa, viajando sozinha também, falamos sobre a delícia de caminhar pelas ruas sem pressa, entrando e saindo de galerias de arte, de lojas, de parques, no total controle do nosso tempo e da nossa vontade. De se permitir, em um museu, ficar 10 minutos em frente a cada quadro, ou passar por todos dando uma rápida conferida e tchau.
De ir a shows, de pegar o metrô e de alugar uma bicicleta sem precisar submeter-se às concessões habituais de quem viaja em dupla ou com um grupo. Discordamos apenas sobre as refeições: almoçar sozinha num bistrô, com mesa na calçada a fim de testemunhar o passeio dos outros, me diverte, mas troco o jantar por um piquenique no quarto do hotel, acompanhada de um bom livro. Já a inglesa disse que era a parte que mais gostava – à noite, escolhia um restaurante estrelado e proporcionava a si mesma um banquete de rainha sem o menor constrangimento.
Por que a maioria das pessoas não consegue nem cogitar uma jornada a sós? Os que se sentem atraídos pela ideia dizem que é por falta de coragem, mas o mais provável é que seja por vergonha. Nem pensar em dar a impressão de ser um abandonado por Deus, de não ter um mísero amigo com quem se aventurar pelo mundo, de ter que enfrentar o olhar piedoso dos casais. Ninguém acreditará que foi uma escolha, e sim a única alternativa de um rejeitado.
Enquanto se dá trela para a opinião dos outros, melhor seria aceitar que você, o tempo inteiro, está na melhor companhia que se pode desejar.
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