28 de outubro de 2016 | N° 18672
CLÁUDIA LAITANO
Abominável mundo novo
Os três debatedores, dois médicos e um jornalista, todos com mais de 50, discutiam na TV os possíveis impactos do uso de equipamentos eletrônicos na primeira infância. O cenário era de arrepiar. Colunas vertebrais danificadas, cérebros arruinados, habilidades sociais permanentemente atrofiadas. A certa altura, um dos médicos chegou a afirmar que já era possível prever que estamos diante da primeira geração com menos potencial intelectual do que as anteriores. Corram para as savanas, crianças.
O catastrofismo tecnológico é hoje um dos esportes mais praticados do planeta. A popularidade de selfies, likes, sextings, games e oversharings parece diretamente proporcional à ansiedade causada por mudanças determinadas pela tecnologia – pelo menos entre os adultos. Alguns riscos, claro, são reais e imediatos, como a dramática evaporação de empregos, outros são previsíveis, como os impactos no corpo e na mente de um cotidiano 100% digital, mas muitos são ainda puramente especulativos.
Claro que manter o espírito crítico nunca é demais, mais ainda quando crianças estão envolvidas, mas assumir o discurso de que a humanidade está marchando rumo ao precipício demonstra, além de uma certa inclinação à paranoia, pouco conhecimento a respeito da espantosa capacidade da nossa espécie de se adaptar a novas circunstâncias.
O fato é que nem Mãe Dináh seria capaz de prever no que tudo isso vai dar. Vamos desaprender a escrever, a pensar, a amar? Polegares serão inutilizados por excesso de uso? Uma nova descoberta vai acabar com a fome no planeta? Logo saberemos. Enquanto isso, a imaginação voa – produzindo sonhos e pesadelos. É nesse minúsculo intervalo que separa a nossa época das próximas transformações cotidianas radicais que trafegam séries como Black Mirror (Netflix) e Westworld (HBO).
E se a quantidade de likes nas redes fosse tão importante quanto uma ficha limpa na polícia? E se o céu fosse como uma praia de Santa Catarina programada para reproduzir os melhores momentos de nossas vidas até o fim dos tempos? A relação com a tecnologia nem sempre é uma comédia romântica, mas também não precisa ser um filme de terror.
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