segunda-feira, 31 de outubro de 2016


31 de outubro de 2016 | N° 18674
ARTIGOS | RICARDO BREIER

ABUSO DE AUTORIDADE

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 280/2016 (PL).

Ele dá nova disciplina aos crimes de abuso de autoridade e destina-se a substituir a Lei 4.898/1965, hoje em vigor. A mídia dá conta de duas manifestações.

O senhor juiz de Direito Sergio Moro teria afirmado que é preciso criar salvaguardas para deixar claro que a norma não pode punir juízes pela forma como interpretam as leis em suas decisões, pois “do contrário, vai ser um atentado à independência da magistratura”.

O senhor procurador Carlos Fernando dos Santos Lima teria sustentado que “a aprovação da lei... pode significar o fim da Operação Lava-Jato”.

Tais assertivas impõem que tenhamos noção sobre a que estão se referindo, ou seja, do que se trata.

A mídia não informa o conteúdo do PL. A lei de 1965 tem como sujeito a “autoridade”, entendida como quem exerça cargo, emprego ou função pública.

O PL é mais preciso quanto aos destinatários: agentes da administração pública; servidores públicos ou equiparados; e membro dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

O PL dá nova redação a crimes já definidos na lei de 1965 e cria novas hipóteses:

Constranger o preso ou detento, depois de esse ter perdido a capacidade de resistência, a exibir-se à curiosidade pública, a produzir provas contra si ou terceiro;

Ofender a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem da pessoa, constrangendo-a a participar de ato de divulgação aos meios de comunicação social ou serem fotografados ou filmados com essa finalidade;

Constranger alguém, sob ameaça de prisão, a depor sobre fatos que possam incriminá-lo ou que deva, por sua função, guardar sigilo;

Impedir, sem justa causa, que o preso se entreviste com seu advogado ou com este se comunique durante audiência judicial, depoimento ou diligência;

Executar mandado de busca e apreensão com excesso ou de forma vexatória;

Quebrar o sigilo bancário ou fiscal, interceptar telefonemas, fluxos de informática e telemática ou escuta ambiental, sem autorização judicial ou fora de suas condições;

Dar publicidade, antes de instaurada a ação penal, a relatórios, documentos ou papéis obtidos com resultado de intercepções telefônicas, de comunicação informática ou telemática, de quebra de sigilo bancário ou fiscal ou de escuta ambiental;

Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada”.

Há outras hipóteses (site do Senado Federal, PL 280/2016).

A razoabilidade e necessidade das novas hipóteses conflitam com as afirmações do senhor juiz e do senhor procurador.

Não creio que pretendam que lhes seja permitido o que o PL quer vedar.

Ou, que queiram que ele não se aplique à magistratura e ao Ministério Público.

O abuso de autoridade tem que ser vedado a todos.

Juízes e promotores não podem ficar à margem de regras.

Poderá alguém lembrar da sabedoria popular: todo aquele que deve teme.

O parlamento deve enfrentar e debater o PL, mesmo que destinatários a ele se oponham.

OS PRAZERES DA FEIRA DO LIVRO

O ator Gérard Phillipe está numa foto da revista Le Nouvel Observateur (1998) parecendo morder páginas impressas. Posava como modelo de devorador de livros, destinado a ilustrar uma campanha de propaganda em favor do livro do publicitário Henri Sjoberg com o slogan: “Melhor que um presente: um livro”.

De onde saiu essa ideia de misturar comidas e livros? A gula só aparece se for despertada por algo que dê muito prazer. A leitura faz isso, desperta prazer, o prazer do texto de que fala Roland Barthes. Adolfo Bioy Casares não deixa por menos – “si no hay placer, no hay literatura”.

As sensações voluptuosas estão presentes ao se tocar o livro. Continuam em detalhes. O barulho das páginas. O cheiro de papel. O tipo de letra. Exagero? Lembra Alfonso Reyes que Macaulay absorvia os livros pela pele... E há quem leia mexendo os lábios, decerto para melhor saborear as palavras... Todo esse enlevo já acabou em orgia descrita no texto A Biblioteca de Babel, de Jorge Luis Borges. Infinita, interminável, dominadora a biblioteca com suas escadarias, prateleiras, meandros, afigura-se um labirinto. Um livro leva a outro e mais outro. 

Quer numa biblioteca pública ou particular, os leitores estão na mesma situação dos comedores compulsivos, não podem parar, uns arrastados pelas iguarias, outros escravos de uma droga poderosa – a letra impressa. Há dependência e apego. O comedor não quer abrir mão da última almôndega. Sofre pela abstinência e sofre o leitor por algum empréstimo perigoso a que estiver sujeito – o livro pode não voltar. Parece então prudente deixar os livros em seus lugares prediletos: não se pode passar sem eles, a biblioteca é vista mais como um lugar de trabalho do que um lugar de ócios.

Talvez por isso Montaigne mandou gravar nas vigas de sua biblioteca sentenças que lhe pareciam úteis, extraídas dos autores que nunca abandonava. Dizia ele, agia “como o avarento goza do seu tesouro, simplesmente com saber que posso usá-los quando queira”.

Alinhados com cuidados meticulosos, neuróticos, os livros estão exatamente como devem ficar os vinhos nas caves, quietos, em lugar fresco, seco, ao abrigo da luz. As prateleiras passam a fazer o papel de “caves do saber humano” como quer Jean- Christophe Baily.

Os livros e seus prazeres encontram-se num suculento bufê: a 62ª feira do livro de Porto Alegre. Bom apetite!

UMA CPI EM DEFESA DA SOCIEDADE

Infelizmente, estamos assistindo ao indevido uso de alguns mecanismos que foram criados para a proteção dos direitos da sociedade, tais como imunidades, regras processuais, propostas orçamentárias, obras públicas e CPIs. Garantias da cidadania foram violadas e esses instrumentos democráticos perderam a sua essência.

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs), especialmente, incluem-se entre aqueles institutos desmoralizados pelo mau uso. Muito além do caráter investigatório, são utilizadas para defender interesses individuais e partidários distantes do seu papel social.

Com o avanço da democracia e a necessária luta em defesa da cidadania, a OAB/RS defende, neste momento da história, recuperar o relevante papel da CPI e o faz propondo uma investigação séria e aprofundada dos problemas da segurança pública. Este tema foi abandonado por nossos sucessivos governos, ainda que por ele clamem os cidadãos diariamente atingidos pela violência, que poderia ser evitada com uma política de gestão permanente de Estado.

Por meio da instalação da CPI da Segurança Pública, acreditamos que poderemos, de maneira completa e com o auxílio do parlamento, diagnosticar o caos que vivemos atualmente. O trabalho da CPI neste caso não se pautará por ideologias partidárias, mas, sim, pela defesa do interesse da sociedade gaúcha.

Espera-se, a partir de agora, que a promessa do Executivo e do Legislativo de transparência não seja apenas um discurso, e que a CPI proposta seja aprovada por unanimidade, com o voto de todos aqueles que têm o comprometimento de zelar pela ordem pública, representada por políticas efetivas de segurança. Nunca é demais lembrar que a grande vítima da insegurança é toda a sociedade, tendo em vista que nossos parlamentares foram eleitos para cumprir a vontade dela, garantindo-lhe a segurança pública. Então, nada mais coerente a sua defesa pelo parlamento.

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