domingo, 16 de outubro de 2016


15/16 de outubro de 2016 | N° 18661 
PIANGERS

Alguém aí disse doce?

– Mãe, posso comer uma coisa?

– Pode. Mas não um doce, Aurora.

– Mãe, eu quero comer uma coisa que eu goste.

– Só se não for doce.

– Claro que não, mãe. Algo salgado. Tipo pão com nutella.


Açúcar é uma novidade aqui em casa. Minha primeira filha nunca curtiu, minha mulher não consome, eu não faço questão. Mas com a chegada da Aurora, há quatro anos, vieram também as balas, os pirulitos e os chocolates. Ela ganha na escola, nas festas, nos restaurantes, no Uber. Ela trata os doces como o Gollum trata o anel do senhor dos anéis.

Minha última briga séria com a Aurora foi a respeito de um pirulito. Disse que ela não podia comer – era o centésimo nono doce do dia –, e ela explodiu inconformada. Colocou o pirulito na boca e não queria deixar que eu tirasse o quitute de lá. Foi uma daquelas brigas em que você tem que ser sério e duro com a criança, mas não consegue parar de rir. Ela colocava o pirulito na boca e segurava-o com os dentes, e chorava ao mesmo tempo, e se debatia. Quando finalmente consegui retirar o doce da cavidade bucal, era só o palito.

Nunca conheci alguém que goste mais de doce. Diversas vezes lá em casa, ela ouve uma palavra e acha que estamos falando de doce. Minha mulher pergunta: “Alguém quer tomar um suco verde?”, e a menina respondeu: “Sorvete?!”. Uma vez eu disse “para!” e ela entendeu “bala”. A professora nos contou que, em plena aula, ao ouvir “Cachorro late”, ela disse: “Eu quero!”. “Quer o quê, Aurora?” “Chocolate!”

Minha mãe era nutricionista e não permitia que eu consumisse bala, chiclete ou salgadinhos. Isso despertava em mim um fascínio pelo tema, eu pedia doce pra qualquer adulto que encontrasse na rua. Quando ganhei a primeira lata de Nescau, dormi abraçado nela. Esta história é um clássico aqui em casa. A Aurora, obviamente, adorou. Quando ouviu pela primeira vez foi correndo até o quarto. Voltou com seu ursinho favorito, aquele com o qual ela dorme todas as noites.

E disse: “Eu troco!”.

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