29 de outubro de 2016 | N° 18673
L.F. VERISSIMO
703
– Foi neste quarto. Exatamente neste quarto.
– Você está doido.
– Aposto o que você quiser.
– O quarto estaria o mesmo, tanto tempo depois?
– Algumas coisas mudaram, mas olha a vista. A vista é a mesma.
– Como você sabe? A última coisa que queríamos fazer, naqueles dias, era olhar a vista. Não saíamos da cama.
– Acho que eu estou me lembrando até do número. Era o 703. Tenho certeza.
– Tá sonhando.
– Lembra que você trouxe uma sacola com pijama? Achei aquilo maravilhoso. Em vez de uma camisola, ou de nada, um pijama de flanela azul.
– Que no fim eu nem usei.
– Tomamos banho juntos, lembra? Antes e depois.
– Foi a primeira vez que vi você nu. E quis me casar assim mesmo.
– Olha o banheiro. Igualzinho. Era o 703!
– Que ideia, vir para o mesmo hotel, tantos anos depois...
– E acabar no mesmo quarto! O que você está fazendo?
– Ligando pra casa. Pra ver se está tudo em ordem.
– Não vá dizer onde nós estamos.
– Vou. Vou dizer “Olha, seu pai quis passar o Dia dos Namorados no mesmo hotel em que dormimos juntos pela primeira vez”.
– Você trouxe os meus remédios?
– Trouxe. Estão na sacola, junto com os meus. Aliás, na sacola só tem remédios.
– O Isordil, veio?
– Veio. Eu estou delirando, ou naquela vez você entrou no quarto me carregando no colo?
– Entrei. Coisa de filme americano.
– Eu era mais magra.
– E eu era mais forte. Hoje, se fosse tentar carregar você no colo, me deslocaria a coluna, se não me desse um infarto.
– Tanto tempo...
– Eu me lembro de cada minuto.
– Mentira.
– Lembro de tudo. Lembro até do que você me chamava: Ronrozinho.
– Que coisa ridícula.
– Na época, era excitante.
Mais tarde:
– Ronrozinho, você não vem pra cama?
– Já vou. Estou olhando a vista.
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