sábado, 22 de outubro de 2016



22 de outubro de 2016 | N° 18667 
DAVID COIMBRA

Porto Alegre, a irredutível aldeia gaulesa

Eu nunca perco. Ou eu ganho, ou eu aprendo. Vivo repetindo essa frase para o meu filho, mas ela não é minha, nem de algum jogador inflado de galhardia que disputará o Gre-Nal deste domingo.

É de Mandela. Se você perguntar para o meu filho “Qual é a frase que Mandela sempre dizia?”, ele vai reproduzi-la.

Há outras frases que lhe digo sempre, mesmo que ele não entenda completamente o conceito. Um dia vai entender.

Mas, é claro, espero que meu filho reflita sobre elas, não que as tome como dogmas. Dogmas embrutecem as pessoas, porque, em vez de abrir, aprisionam o pensamento. Afinal, trata-se de dogma, você TEM de pensar daquele jeito, é uma espécie de manual. O que, admito, tem a sua praticidade. Alguém já pensou tudo por você, você não precisa passar trabalho. É essa, aliás, a atração dos dogmas – o pensamento já vem todo prontinho, basta pegar e usar no Facebook, na sala de aula ou no boteco.

Falei em Gre-Nal. Será que esse espírito “grenalístico” faz Porto Alegre ser a cidade dogmatizada que é? Porque é. As pessoas escolhem lados, em Porto Alegre, e aferram-se a eles, pouco importando o que lhes mostra a realidade ou a lógica.

Vou tomar um exemplo prosaico: Fernanda Melchionna, vereadora do PSOL, a mais votada de Porto Alegre, conseguiu fazer aprovar uma emenda que institui cotas para mulheres no Uber. Vinte por cento dos condutores do Uber que trabalharem na cidade deverão ser mulheres.

Não conheço muito a vereadora Fernanda. Sei que é uma mulher bonita e simpática. Parece ser inteligente. E certamente é movida por alguns dogmas.

Já escrevi que é válida a atuação setorizada de vereadores e deputados, mesmo quando são cometidos exageros. E citei exemplos exatamente da Câmara de Porto Alegre: um vereador que defende com intransigência os animais, outro que defende com intransigência as bicicletas.

Fernanda defende com intransigência os direitos das mulheres, e isso é bom.

Mulheres, bicicletas e bichos bem merecem seus protetores, mas nem sempre o que aparenta ser a favor deles é positivo para eles.

Já que falei em filho, pense no seu, como ilustração: se você der tudo o que ele pede, aparentemente será a favor dele. Será contra. Se você der tudo o que seu filho pede, ele se transformará em um adulto mimado, infeliz e mal-agradecido. Ao primeiro não, ele se revoltará contra você, porque quem tudo dá não pode negar nada.

Certas garantias são deformadoras. Poderia citar uma dúzia de motivos para provar que cotas para mulheres no Uber não é uma ideia inteligente, mas recorro a um só: a própria natureza do serviço. A vantagem desses aplicativos é a flexibilidade. Graças à flexibilidade, o Uber propiciou rendimentos a cerca de 4 mil pessoas, em Porto Alegre. É como se uma empresa com 4 mil funcionários tivesse se instalado na cidade. Quatro mil pessoas ganhando, gastando, movimentando a economia, gerando empregos para outras pessoas.

É preciso haver alguma norma, evidentemente, mas, quanto mais regulação, menos flexibilidade. A bem-intencionada emenda da vereadora parece boa para as mulheres. É péssima. Porque tende a diminuir o número de motoristas do Uber, diminuir o número de pessoas que ganham com o aplicativo e diminuir o volume de recursos que circula na comunidade.

Porto Alegre, alguém já disse, não raro é como a aldeia de Asterix: irredutível. O que é um problema, porque os gauleses só venceram na ficção. Na realidade, os romanos ganham sempre.

Nenhum comentário: