quarta-feira, 12 de outubro de 2016



12 de outubro de 2016 | N° 18658
ARTIGO | JOYCE GOLDSTEIN*

QUANDO O TEMPO FICA FORA DO LUGAR

Refletir a respeito da cultura contemporânea e de sua interferência na subjetividade infantil é tarefa a que devemos dedicar tempo e atenção.

Viver hoje é estar em um mundo onde fronteiras não mais existem. A permanência é substituída pela velocidade e aceleração do tempo: o viver é único, intenso e agora. A marca do momento é a valorização do prazer imediato, em detrimento da reflexão.

Entendo a infância como modo de pensar o tempo, não apenas o tempo cronológico: tempo como sucessão de eventos vistos numa progressão e tempo interno, de vivências e elaboração de experiências, que implica um longo caminho pontilhado de processos disruptivos e perdas de determinadas condições e papéis, na busca de novas construções e oportunidades. 

Assim, a atual busca do imediatismo, tem impacto e conse- quências em nossos jovens; o que ainda não foi vivido parece condená-los à sensação de desperdício. As crianças não são mais consideradas como “sujeito em potencial”, e sim igualadas aos adultos, que passam a vê-las como prolongamentos seus e não como “outra pessoa”.

O tempo/infância está fora de lugar...

Essa distorção leva a uma horizontalidade de papéis, funções, e as crianças passam a ocupar o lugar de capazes e dotadas de disposições milagrosas.

A configuração familiar na atualidade apresenta falhas nos limites, na autoridade, em sua estrutura e organização. Os pais, ao sucumbirem à pressão pela juventude eterna, na busca de evitar a ideia de velhice e morte, abdicam de seus lugares, deslocando as crianças dos seus.

O tempo/pais está fora de lugar...

São os filhos da contemporaneidade retratos de pais com medo de serem pais?

A confrontação dos jovens é característica do processo de maturação e deve ser sempre acompanhada por um adulto que aceite, organize e limite essa força em busca de autonomia.

Há desafios pela frente: construir um espaço possível que favoreça o olhar, a escuta, as trocas, a existência real e não virtual; um lugar de acolhimento do “vir a ser” genuíno das crianças , pautados pelo encontro legítimo do tempo pais/filhos.

Feliz tempo das crianças!

*Psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)

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