domingo, 9 de outubro de 2016


A juventude e o "antipolítico": uma leitura da eleição de São Paulo

MAURO PAULINO -  ALESSANDRO JANONI - ilustração EMMANUEL NASSAR
09/10/2016  02h07


RESUMO Texto remonta aos protestos estudantis contra a PM no campus da USP, em 2011, para mostrar os primeiros sinais da crise de representação do sistema político-partidário que culminou com a eleição do "antipolítico" João Doria em São Paulo –alçado a prefeito também pelo "aburguesamento" das classes populares.

Reprodução

Antes de junho, novembro. De 2011, não de 2013. Era o primeiro ano de Dilma Rousseff (PT) como presidente. A petista contava, na época, com a aprovação de aproximadamente metade dos brasileiros. O PIB de 2010 era um recorde em 24 anos, e a taxa de desemprego na população economicamente ativa chegava a um dos mais baixos patamares.

A inclusão no mercado formal de trabalho e o maior acesso à educação e a itens de conforto já moldavam a tão enfatizada migração de classes do então projeto lulista.

Em São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) voltava ao governo do Estado, com 48% dos paulistas considerando ótimo ou bom seu desempenho em início de mandato. Já o então prefeito Gilberto Kassab (PSD), a um ano de se despedir do cargo, via sua popularidade cair significativamente.

O DNA Paulistano, estudo do Datafolha que mapeava a avaliação dos moradores nos 96 distritos da capital, revelaria uma cidade com dificuldade de adaptar sua oferta de serviços e dinâmica às novas características de perfil da demanda. Em quatro anos, pouco se fez por setores mal avaliados do município, entre eles, especialmente, um dos piores colocados na maioria dos bairros: a falta de políticas públicas específicas para os jovens.

Nesse cenário, o então reitor da USP, João Grandino Rodas, escolha polêmica do ex-governador José Serra (PSDB) para o cargo, assinava, em setembro daquele ano, um convênio com a Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo para o patrulhamento da Cidade Universitária.

A presença da Polícia Militar no campus, não só pelas implicações ideológicas, gerava polêmica. A detenção, em outubro, de alunos que fumavam maconha provocara uma série de manifestações contra a presença de forças policiais no ambiente da universidade. Os protestos e o debate extrapolavam os muros da escola –as primeiras leituras enxergavam no episódio uma reação pueril de maconheiros que resistiam à presença do Estado para poderem consumir drogas tranquilamente.

TENDÊNCIA

Com base em informações de dossiês que produzia sobre o universo dos jovens brasileiros para o mercado publicitário, o Datafolha alertava em análise pela Folha na edição de 13 de novembro de 2011 que as manifestações na USP não se tratavam de uma aventura infantil, mas, pelo contrário, de um sintoma sério de crise democrática. Foi a primeira vez que o instituto se referiu à tendência que despontava no segmento: por não se enxergar representado nos canais tradicionais de participação política, ele passava a se mobilizar por afinidade temática nas então incipientes redes sociais de conexão instantânea.

O Datafolha fez o que governo e reitor não fizeram: ouviu estudantes. A maioria se dizia a favor da presença da PM, mas o conjunto, apesar de homogêneo e elitizado, trazia contrastes. Entre os alunos de humanas, de nível socioeconômico mais baixo, a maioria era contra. No segmento dos de exatas, mais ricos, grande parte afirmava-se favorável. As diferentes tendências, mesmo dentro de um microuniverso restrito, já carregavam no discurso os marcadores da opinião pública que dominariam os protestos de 2013, as eleições presidenciais de 2014, as manifestações em 2015, o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição inédita de um candidato "antipolítico" no primeiro turno da eleição de 2016.

Era o embrião de um confronto entre duas correntes que, nesta última eleição, encontrou solo fértil no peso quantitativo do aburguesamento de estratos emergentes do eleitorado fora do centro expandido. A participação das classes A e B na composição da população da capital cresceu sete pontos percentuais (de 38% para 45%) entre 2008 e 2012.

Proporcionalmente, em distritos mais distantes do centro, especialmente na zona leste, como Guaianases, Itaquera, Jardim Helena, São Rafael e Vila Jacuí, essa ascensão foi ainda mais significativa, superando, em pontos percentuais, a média da cidade e de outras regiões.

Sinais da adoção de valores típicos da classe média tradicional pelos níveis intermediários dos que ascenderam no lulismo já eram detectados na eleição para prefeito da capital no mesmo período.

O sucesso inicial da candidatura de Celso Russomanno no pleito de 2012 personificava a busca por alternativas fora da dicotomia PT x PSDB, com foco no cidadão consumidor que, diante das conquistas materiais dos anos anteriores, se espraiava em bolsões de relativo poder de compra em diferentes bairros do município, demandando serviços públicos de qualidade diante dos impostos que agora percebia pagar.

FORA DA CASA

Ao não sustentar a posição, Russomanno abriu espaço ao clássico embate entre as duas legendas. Mesmo com o início do julgamento do mensalão pelo STF, Fernando Haddad (PT) foi então eleito prometendo levar para "fora da casa" dos paulistanos os benefícios que seu partido vinha trazendo para "dentro da casa" dos brasileiros, desenhando seu Arco do Futuro. Mas logo de início, ao aumentar a tarifa de ônibus, bateu de frente com aqueles mesmos jovens escolarizados, apartidários, conectados por afinidade temática, que demandavam serviços e políticas públicas de qualidade para o segmento, o MPL (Movimento Passe Livre).

A reação violenta da Polícia Militar contra modelos aspiracionais do estrato –estudantes e jornalistas– gerou identificação imediata e mobilizou outros setores da classe média com reivindicações diversas, mas que convergiam, diante do julgamento do mensalão e dos estádios superfaturados da Copa das Confederações, para o tema da corrupção e da crise de representação. Foi o suficiente para despertar o histórico sentimento antipetista que hibernava em grande parte da população da cidade e em setores da economia.

A maior parcela dos paulistanos se enquadra em níveis de classe média, com taxas de escolaridade, renda e trabalho formal acima do restante dos brasileiros. Segundo matriz ideológica do Datafolha, em comparação com o resto do país, o morador da capital é mais intenso nas críticas a sindicatos de trabalhadores, na resistência a forasteiros pobres e na defesa da iniciativa privada e da intervenção do Estado em caso de risco para empresas nacionais –temas presentes no debate passional e socialmente clivado da eleição presidencial de 2014. Mesmo com a deflagração da Lava Jato, Dilma venceu o pleito com cerca de 52% dos votos válidos, mas perdeu para Aécio Neves (PSDB) na capital, por 64% a 36%.

Com esses números, compreende-se a criação de organizações como o MBL (Movimento Brasil Livre) no final daquele ano e o seu papel fundamental, junto à Fiesp, na condução das manifestações gigantescas que tomaram conta da avenida Paulista a partir de 2015. Com média de idade mais elevada e de perfil ainda mais elitizado, contando com uma participação acima da média de empresários, os protestos nortearam a opinião pública, fornecendo respaldo à operação Lava Jato.

Se a presidente reeleita já não contava com muitos entusiastas entre os paulistanos, os prejuízos à imagem de Lula e o fraco desempenho de Haddad em redutos petistas tradicionais na periferia criaram o ambiente propício para uma vitória estrondosa da oposição.

As características da eleição de João Doria (PSDB), um candidato moldado por todos os vetores aqui listados, por seu ineditismo e simbologia, marcam o início de um novo ciclo que depende muito do desempenho da economia nos próximos anos e dos acordos políticos que ele tanto nega.

O tempo que esse ciclo vai durar depende do quanto os filhos da classe média, aqueles dos selfies sorridentes ao lado de policiais militares, levarão para ingressar na universidade –e se, ao decidirem se manifestar, serão reprimidos ou não pelos atuais colegas de pose.

MAURO PAULINO, 56, sociólogo, é diretor-geral do Datafolha. - ALESSANDRO JANONI, 45, é diretor de pesquisa do Datafolha. - EMMANUEL NASSAR, 67, é artista plástico

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