14 de outubro de 2016 | N° 18660
CLÁUDIA LAITANO
Oldchella
Imaginem um megaevento de rock em que todos os artistas no palco nasceram antes de o rock ser inventado. Não por acaso, o festival Desert Trip ganhou o apelido de “Oldchella” (brincadeira com o Coachella, evento realizado anualmente na mesma vizinhança). Somadas, as idades de Mick Jagger, Roger Daltrey, Pete Townshend, Neil Young, Keith Richards, Paul McCartney, Roger Waters e Bob Dylan contam mais do que cinco séculos em anos – e sabe-se lá quanto em substâncias químicas e fortes emoções.
Essa celebração única da incontestável gerontocracia do rock, que levou fãs de todas as idades e de todas as partes do mundo à Califórnia no fim de semana passado, ganha uma nova rodada a partir de hoje – quando, entre outros representantes do primeiro escalão da música, sobe ao palco o vencedor do Nobel de Literatura de 2016.
O mais importante evento musical do ano e a maior e mais cobiçada premiação literária do mundo cruzaram caminhos nesta semana graças a Bob Dylan. É como se a geração que inventou o rock, a revolução sexual e a própria ideia de juventude estivesse celebrando, a um só tempo, a longevidade criativa de seus ídolos, capazes de ainda atrair plateias gigantescas, e o reconhecimento “do sistema”, simbolizado pela láurea da Academia Sueca.
Os milhares de ingressos vendidos para o festival e o prêmio para Bob Dylan são simbólicos, mas a geração que transformou a juventude em um ideal de comportamento e consumo envelheceu (como todas), e a música que um dia foi associada à ideia de rebeldia agora faz parte, oficialmente, do cânone acadêmico. Nas listas dos artistas mais vendidos no Brasil e nos Estados Unidos, o rock perdeu a relevância.
Letras incisivas, como as que Bob Dylan compôs, agora são embaladas por outros ritmos. Como Gil, Caetano, Chico e Paulinho da Viola, a realeza sem herdeiros naturais da MPB, os medalhões reunidos pelo festival Desert Trip nesta semana talvez sejam os últimos de uma linhagem que não fará sucessores – entre outros motivos porque a indústria fonográfica, os meios de comunicação e o próprio “star system” também já não são os mesmos.
Ainda assim – sabemos – as pedras não param de rolar. E é bom imaginar que aquele garoto que hoje faz uma música que você não entende ou não gosta, vai saber, pode ser um futuro Prêmio Nobel.
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