domingo, 4 de maio de 2014

ELIO GASPARI

Uma época, um livro e uma festa

Enquanto o mundo-dinheiro vai ao baile do Metropolitan, o mundo-cabeça discute o livro de Thomas Piketty

Amanhã o Metropolitan Museum de Nova York abre a escadaria para o baile anual do seu instituto de moda. A entrada custa US$ 25 mil, e o freguês terá passado pela seleção de Anna Wintour, a bruxa do filme "O Diabo Veste Prada", diretora da revista "Vogue", czarina da moda e princesa do mundo das celebridades. O "Met Gala" é o tapete vermelho mais bonito, rico e exclusivo do mundo. Quem não tiver a graça de pisá-lo poderá ir para um bar discutir o livro "Capital", do professor francês Thomas Piketty. Por caminhos diferentes, estará no mesmo mundo.

Piketty escreve com a elegância com que a atriz Gwyneth Paltrow se veste. Montado num banco de dados rico como a vitrine da joalheria Cartier, o professor é claro: o mundo entrou num período de concentração da renda. As pessoas e os países ricos ficarão mais ricos. Para as nações emergentes, inclusive o Brasil, fica a suspeita de que crescerão a taxas menores.

Nos Estados Unidos, essa época de ostentação da riqueza é comparada à "Gilded Age", que foi do fim do século 19 ao início do 20. A expressão designava uma abastança exuberante, porém superficial. Piketty não a usa, fala mais na "Belle Époque" francesa. A diferença está no fato de que uma teve o escritor Marcel Proust, e a outra, bilionários vulgares, cuja ideia de refinamento levava-os a copiar castelos e casar as filhas com nobres europeus quase sempre falidos, jamais monógamos, talvez heterossexuais. (Só na cesta dos duques, compraram 22.)

Durante a festa do século 19 também pontificava um jornalista. Ele organizava o baile anual de Caroline Astor e dizia que a elite de Nova York tinha 400 pessoas, o número de convidados que cabiam no salão da milionária. Na lista de La Wintour, entram 700 convidados. Ela é uma jornalista cuja determinação, instinto estético e visão comercial deveriam ser matéria de estudo para quem entra nesse ramo da profissão. (O teste de que uma pessoa é desprovida do sentimento da inveja está em admirá-la.) Wintour perfilhou o instituto de moda do Metropolitan, para quem vai o dinheiro dos ingressos. A partir de amanhã a nova ala de roupas do museu levará seu nome. Será inaugurada por Michelle Obama.

O baile de Piketty tem a harmonia de uma valsa. No início do século 20 os 1% que estavam no andar de cima ficavam com 20% da renda dos Estados Unidos e da Inglaterra. Até 1980 essa riqueza encolheu à metade, mas, a partir daí, voltou a crescer e retornou ao ponto inicial. A queda deveu-se a políticas sociais? Não, foram as duas guerras. Os bilionários de hoje seriam diferentes, afinal, Bill Gates fez a Microsoft. Tudo bem, mas a francesa Liliane Bethencourt (L'Oreal) tem US$ 25 bilhões e nunca trabalhou na vida. Herdou. Entre 1990 e 2010 as fortunas de ambos cresceram 13% ao ano, apesar de Bill Gates já ter parado de trabalhar.

O "Capital" é um monumento de pesquisa e elegância. Piketty trabalhou com acervos estatísticos jamais estudados, e reconhece que isso só foi possível porque apareceu o computador. Obsessivo, mergulhou até nas listas de bilionários das revistas de negócios, mesmo ressalvando que têm pouco valor científico. (Os brasileiros que compraram ações de Eike Batista sabem que é isso mesmo.) Se os números dos bilionários da "Forbes" merecem pouca fé, as carteiras de investimentos das universidades americanas merecem toda. Os patrimônios mobiliários daquelas que têm fundos com mais de um bilhão de dólares cresceram 8,8% ao ano entre 1980 e 2010. Já as pobrezinhas, com menos de 100 milhões, ficaram com 6,1% ao ano. Harvard, com US$ 30 bilhões, teve rendimentos de 10,1% anuais. (As reservas da Universidade de São Paulo encolheram.)

Quando Caroline Astor dava seu baile, o andar de cima sustentava que assim era a vida e o de baixo lotava as ruas para ver a passagem dos magnatas. A partir de amanhã o mundo poderá ver na rede imagens do baile de Anna Wintour. Retratará uma época. O "Capital no Século 21" também está na rede, em inglês, por enquanto. Sai por US$ 21,99.

A BANCA DE YOUSSEF

Falta um personagem na trama dos negócios do doleiro Alterto Youssef com o laboratório Labogen. Ele mandou US$ 113 milhões para o exterior em cerca de 3.500 operações comerciais. Para isso seria indispensável que houvesse um banco na roda. Hoje é praticamente impossível lavar esse dinheiro com a ajuda das grandes casas brasileiras. Há bancos na tuba, e seus nomes estão esquecidos. Com o rigor das auditorias europeias e americanas, essas operações passam por rotas africanas.

BANCO QUER PAGAR

Em fevereiro o Deutsche Bank aceitou pagar R$ 47 milhões à Prefeitura de São Paulo para encerrar a encrenca em que se meteu por ter abrigado contas do ex-prefeito Paulo Maluf. Há outro banco europeu oferecendo-se para fazer acordo, num montante ainda maior.

LÁ VEM TUNGA

Devagar e sempre, prossegue a marcha de uma nova tunga nos trabalhadores. O comissariado sindical voltou a se mexer para cobrar uma taxa pelos seus serviços nas negociações salariais.

Hoje, sendo ou não sindicalizado, o cidadão trabalha um dia por ano para o aparelho. Já a taxa só é cobrada a quem pertence ao sindicato. O comissariado quer misturar as duas cobranças, tornando compulsório o pagamento adicional. Estima-se que isso leve para os companheiros um ervanário equivalente ao que se arrecada com o imposto sindical, coisa de R$ 2 bilhões em 2012. Na veia, as centrais sindicais ficam com 10% do confisco.

Para quem não lembra, nos anos 70 apareceu um líder metalúrgico moderno que combatia o imposto sindical. Chamava-se Lula.

UMA INJEÇÃO

Há pouco o juiz Teodomiro Romeiro dos Santos, o único brasileiro condenado à morte, em 1971, pelo assassinato de um militar, teve a certeza de que em 1982, três anos depois da Anistia, planejou-se sua morte. À época ele vivia na França, depois de ter fugido da cadeia e conseguido asilo na Nunciatura Apostólica, em Brasília.

Em 1995, uma elegante figura da noite carioca, ligada ao mundo das informações, contou a seguinte história:

"No final de 1982 eu soube que haviam encomendado a morte do Teodomiro. Ele estava internado num hospital em Paris. A mulher dele trabalhava numa perfumaria. O serviço seria feito com uma injeção letal por um bolsista que vivia na cidade. Assustados por uma ameaça de que seriam descobertos, desativaram o plano."

Teodomiro Romeiro dos Santos informa:

1) No segundo semestre de 1982, com dores na coluna, internou-se num hospital, em Paris.

2) Sua mulher trabalhava numa perfumaria.

3) Pouca gente sabia que se hospitalizara, pois não queria intranquilizar sua mãe, que vivia no Brasil.


4) Quando se sentiu recuperado, quis ir embora do hospital, mas tentaram retê-lo. Como insistiu, teve que assinar um compromisso responsabilizando-se pela alta. (Em setembro de 1982, um engenheiro da Telerj que operava na área de grampos caminhava pela avenida Atlântica e foi atacado por uma pessoa que lhe aplicou uma picada na perna. Horas depois morreu no Hospital Miguel Couto.)

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