SILVIA SPERLING
CANABARRO
Mãe de um menino autista
10 de maio de 2014
Nada do que foi será
Hoje o tempo que me pertence é
muito mais rico e intenso
Tu chegaste e me tiraste várias
horas de sono e minha tranquilidade. Reduziste meus momentos de lazer e meus
prazeres egoístas. Me acrescentaste algumas linhas de expressão no rosto, dores
corriqueiras em meu corpo e constantes no meu coração. Desestabilizaste meu
plano de vida, bagunçaste minha rotina e me puseste frente a frente com
sentimentos perturbadores e, muitas vezes, pouco nobres. Me fizeste rever
conceitos e sonhos, abandonar projetos pessoais e frivolidades.
No entanto, me trouxeste a
consciência de ser uma mulher poderosa, com múltiplos talentos e possuidora de
uma força inexplicável e inesgotável. Se já me melhoraste não sei, pois
continuo com o mesmo temperamento explosivo e com a necessidade imperativa de
organização.
Mas sei que contigo ao meu lado
estou num bom caminho, porque teus olhos brilhantes e cheios de vida e alegria
são a luz no breu da tua doença, e teu sorriso frequentemente escancarado em
teu rosto espanta qualquer presença nefasta de nosso convívio. És meu escudo
protetor, a razão do meu abrir de olhos a cada manhã e a mola propulsora que me
direciona à reflexão e à ação mais coerente.
Se antes de ti eu possuía todo o
tempo do mundo, hoje o tempo que me pertence é muito mais rico e intenso, e
degusto cada segundo com um paladar aguçado de uma gourmet. Expando os minutos
de maneira em que eu e você caibamos. Tuas vontades, meus desejos, teus
lamentos, minha fúria.
Já não busco a felicidade plena,
pois tua chegada me trouxe a sabedoria, e com ela enxergo que a plenitude é
surreal e a felicidade efêmera. E entre as perdas e ganhos da maternidade
cresce somente uma certeza, a de que o melhor que me trouxeste é o que tentarei
te retribuir a cada dia: um amor incomensurável.
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