16
de maio de 2014 | N° 17798
DAVID
COIMBRA
Frank e Ava
Nunca
escrevo sobre livro que não li. Nem escrevo em meio à leitura, antes de engolir
o ponto final. É regra que tenho.
Mas
vou abrir uma exceção.
Estou
lendo Frank, a Voz, biografia de Frank Sinatra escrita pelo jornalista
americano James Kaplan e, mesmo estando apenas na segunda metade das suas mais
de 700 páginas, recomendo-a já, e vivamente. É uma leitura saborosa, é um texto
literário e às vezes, e deliciosamente, é um pouco cínico. Um dos pontos altos
do livro está na história do romance de Sinatra com Ava Gardner, atriz do
cinema clássico americano que era chamada de “o animal mais belo do mundo”. Mas
Ava não era só linda, era inteligente. E braba. Foi ela quem atirou um cinzeiro
no meio da cara do bilionário Howard Hughes quando ele teve a temeridade de dar-lhe
um murro por (justificados) ciúmes.
Em 1954,
logo depois do suicídio de Getúlio, Ava veio ao Rio de Janeiro. Sua chegada
causou pandemônio no aeroporto. Havia uma multidão esperando-a. Ava, segundo
ela própria, foi, em primeiro lugar, venerada; em segundo, bolinada. Na confusão,
quebrou um salto do escarpim em que se empinava. Entrou no táxi e, como o
motorista demorava a arrancar, bateu com o sapato na cabeça dele. Chegou descalça
ao Glória. Odiou o hotel. Aí, quem armou o tumulto foi ela. Quebrou todo o
quarto, desceu ao lobby, xingou o gerente com todos os palavrões existentes na
língua inglesa e mudou-se de nariz erguido para o Copacabana Palace.
Ava
disse que queria viver até os 150 anos. “E, quando eu morrer, quero que seja
com um copo de uísque numa mão e um cigarro na outra.” Morreu amando Sinatra,
apesar de eles terem se separado depois de um casamento breve. E Sinatra a ela,
apesar de seus vários outros casamentos. Roberto Carlos contou que, num dia dos
anos 70, ao encontrar Sinatra, ele teria lhe dito sobre Ava que ela havia sido
o maior dos seus casos e o maior dos enganos que pôde fazer. Roberto repetiu a
frase para Isolda, que, inspirada nela, compôs Outra Vez. Será verdade? Espero
que sim.
James
Kaplan descreve assim o romance de Frank e Ava:
“Frank
havia encontrado uma verdadeira parceira na ópera que era a sua vida. Todas as
mulheres haviam sido atrizes coadjuvantes: Ava era uma diva. Tal como Frank,
era infinitamente inquieta e se entediava com facilidade. Em ambos essa tendência
podia levar à crueldade ocasional em relação aos outros – e às vezes mútua. Ambos
tinham apetites titânicos por comida, bebida, cigarros, diversão, companhia e
sexo.
Ambos
amavam jazz e os homens e as mulheres, os negros e os brancos que o faziam. Ambos
eram politicamente liberais. Ambos eram fascinados pela prostituição e pela
perversão. Ambos conheciam a solidão sem fundo que espreitava as profundezas da
noite: ambos desconfiavam do sono – o temiam, talvez, como se fosse espelho da
morte. Ambos odiavam ficar sozinhos.
E
por trás de cada movimento que cada um deles fazia havia um desprezo fino e régio
pela ordem estabelecida e banal do mundo”.
Frank
e Ava. Não é algo assim, esse arrebatamento, essa entrega, esse desespero, não é
essa paixão que faz a vida especial? Ah, sim, a vida pode ser especial.
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