11 de maio de 2014 | N° 17793
CÓDIGO DAVID | David Coimbra
Vida de solteiro
Há uma frase que é a frase certa e que, se dita da maneira
certa, no momento certo, ao pé de certa orelha, essa frase, essa única frase
terá o poder de fazer com que a mulher que está acoplada à orelha dentro da
qual ela, a frase, foi derramada transforme-se em sua cativa.
Sua, sortudo leitor; sua cativa.
Claro: considerando que você desfruta a condição de homem
solteiro, que... bem, é precisamente isso: uma condição de desfrute.
Mas, se você não for um serelepe solteiro, use a imaginação.
Suponha que seja. Então pense: você é agora um solteiro e está esgrimindo na
batalha da noite, quando lhe ocorre a frase certa.
Você olha para aquela mulher de longas pernas como o leão
olha para o gnu e se esgueira na direção dela e, de inopino, porque a surpresa
é o melhor ataque, pois de inopino você escorre a tal frase certa pelo canal
auricular dela e pronto: gol do Brasil – em 15 minutos vocês estão na sala da
sua casa, sobre o tapete de um palmo de altura, onde todas as vaidades se
afundam e quase todas as pudicícias se perdem. Como você é um solteiro experiente,
você sabe que tipos de bebidas alcoólicas são indispensáveis na sua geladeira
para que a noite tenha bom termo. As seguintes:
1 - CHAMPANHE Para a mulher que naquela noite precisa se
sentir especial.
2 - TEQUILA Para a mulher que naquela noite precisa fazer
algo especial.
E, in extremis:
3 - ABSINTO Para as recalcitrantes.
Antes de seguir em frente, ressalto que, se você tem absinto
em casa, você é mais do que um solteiro experiente; você é um solteiro
profissional. O absinto possui uma substância, a tujona, que aguça os sentidos,
libera a criatividade e pode produzir alucinações. Ou seja: dá barato.
O FURIOSO AMOR DE RIMBAUD E VERLAINE
Os poetas do século 19 contavam que, graças à ingestão de
doses criteriosas de absinto, viam a chamada Fada Verde, a fada da inspiração
e, também, a fada do pecado. Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, dois poetas
franceses da época, foram inveterados bebedores de absinto. Rimbaud era um
menino-prodígio. Mesmo que dissesse que “ninguém é sério aos 17 anos de idade”,
todos o levavam a sério. Em especial Verlaine, que tinha já quase 30 anos
quando, por algum motivo, desistiu das mulheres e se apaixonou por Rimbaud.
Os dois formaram um casal trepidante. Bebiam e poetavam o dia
inteiro. E brigavam. Um dia, Rimbaud tentou apunhalar Verlaine; noutro,
Verlaine deu um tiro na mão de Rimbaud. Verlaine acabou preso por causa da
confusão e Rimbaud, que antes dos 20 anos de idade era o maior fenômeno da
poesia francesa, aos 21 desistiu da poesia francesa, largou tudo e todos, e foi
para a África, traficar armas.
A história de Verlaine e Rimbaud e de outros escritores da
época levou governos europeus a proibir o absinto. Portanto, se na sua adega
descansa uma garrafa que aprisiona a Fada Verde, cuidado ao abri-la.
A PERGUNTA QUE EU NÃO QUERIA OUVIR
Eu, aqui, confesso: certa feita, fiz uso temerário dos
poderes do absinto. Foi com uma moça que não estava acostumada a beber. Uma
jovem loira que, quando falava, o nariz se mexia. Eu gostava daquele truque.
Bom. Em minha defesa, relato que a adverti:
– É perigoso. É absinto. É a Fada Verde.
Ela deu de ombros, aqueles ombros suaves e dourados. Estava
disposta a aventurar-se, naquela noite.
Aventurou-se.
Você não acreditaria, se contasse o que ocorreu. Por isso,
não contarei. Só digo que ela se transformou. Ali, diante dos meus olhos,
surgiu outra mulher. Duas mínimas doses de absinto foram suficientes para
liberar a gueparda que ronronava dentro dela.
Os perigos e as delícias da Fada Verde.
Certo.
Mas voltando a você e àquela coisinha que sua sapiência de
solteiro feliz capturou na noite: vocês já beberam champanhe, ou tequila, ou
(urru!) absinto. Vocês já se amaram na sala, no corredor, no banheiro, no
quarto. É chegada a hora do Repouso do Guerreiro. Tudo está bem, você supõe que
poderá assistir a um dos filmes do Bourne que vai passar no Supercine, só que
daquela boquinha carnudinha de coraçãozinho dela brotou uma frase inesperada.
Algo para o qual você não estava preparado.
Maldição!
E era aqui que queria chegar desde o início. A essa frase.
Mas espere mais alguns dias. Vou falar a respeito na próxima coluna. Até lá,
por favor, consiga uma garrafa de absinto.
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