sábado, 10 de maio de 2014

11 de maio de 2014 | N° 17793
CÓDIGO DAVID | David Coimbra

Vida de solteiro

Há uma frase que é a frase certa e que, se dita da maneira certa, no momento certo, ao pé de certa orelha, essa frase, essa única frase terá o poder de fazer com que a mulher que está acoplada à orelha dentro da qual ela, a frase, foi derramada transforme-se em sua cativa.

Sua, sortudo leitor; sua cativa.

Claro: considerando que você desfruta a condição de homem solteiro, que... bem, é precisamente isso: uma condição de desfrute.

Mas, se você não for um serelepe solteiro, use a imaginação. Suponha que seja. Então pense: você é agora um solteiro e está esgrimindo na batalha da noite, quando lhe ocorre a frase certa.

Você olha para aquela mulher de longas pernas como o leão olha para o gnu e se esgueira na direção dela e, de inopino, porque a surpresa é o melhor ataque, pois de inopino você escorre a tal frase certa pelo canal auricular dela e pronto: gol do Brasil – em 15 minutos vocês estão na sala da sua casa, sobre o tapete de um palmo de altura, onde todas as vaidades se afundam e quase todas as pudicícias se perdem. Como você é um solteiro experiente, você sabe que tipos de bebidas alcoólicas são indispensáveis na sua geladeira para que a noite tenha bom termo. As seguintes:

1 - CHAMPANHE Para a mulher que naquela noite precisa se sentir especial.

2 - TEQUILA Para a mulher que naquela noite precisa fazer algo especial.

E, in extremis:

3 - ABSINTO Para as recalcitrantes.

Antes de seguir em frente, ressalto que, se você tem absinto em casa, você é mais do que um solteiro experiente; você é um solteiro profissional. O absinto possui uma substância, a tujona, que aguça os sentidos, libera a criatividade e pode produzir alucinações. Ou seja: dá barato.

O FURIOSO AMOR DE RIMBAUD E VERLAINE

Os poetas do século 19 contavam que, graças à ingestão de doses criteriosas de absinto, viam a chamada Fada Verde, a fada da inspiração e, também, a fada do pecado. Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, dois poetas franceses da época, foram inveterados bebedores de absinto. Rimbaud era um menino-prodígio. Mesmo que dissesse que “ninguém é sério aos 17 anos de idade”, todos o levavam a sério. Em especial Verlaine, que tinha já quase 30 anos quando, por algum motivo, desistiu das mulheres e se apaixonou por Rimbaud.
Os dois formaram um casal trepidante. Bebiam e poetavam o dia inteiro. E brigavam. Um dia, Rimbaud tentou apunhalar Verlaine; noutro, Verlaine deu um tiro na mão de Rimbaud. Verlaine acabou preso por causa da confusão e Rimbaud, que antes dos 20 anos de idade era o maior fenômeno da poesia francesa, aos 21 desistiu da poesia francesa, largou tudo e todos, e foi para a África, traficar armas.

A história de Verlaine e Rimbaud e de outros escritores da época levou governos europeus a proibir o absinto. Portanto, se na sua adega descansa uma garrafa que aprisiona a Fada Verde, cuidado ao abri-la.

A PERGUNTA QUE EU NÃO QUERIA OUVIR

Eu, aqui, confesso: certa feita, fiz uso temerário dos poderes do absinto. Foi com uma moça que não estava acostumada a beber. Uma jovem loira que, quando falava, o nariz se mexia. Eu gostava daquele truque. Bom. Em minha defesa, relato que a adverti:

– É perigoso. É absinto. É a Fada Verde.

Ela deu de ombros, aqueles ombros suaves e dourados. Estava disposta a aventurar-se, naquela noite.

Aventurou-se.

Você não acreditaria, se contasse o que ocorreu. Por isso, não contarei. Só digo que ela se transformou. Ali, diante dos meus olhos, surgiu outra mulher. Duas mínimas doses de absinto foram suficientes para liberar a gueparda que ronronava dentro dela.

Os perigos e as delícias da Fada Verde.

Certo.

Mas voltando a você e àquela coisinha que sua sapiência de solteiro feliz capturou na noite: vocês já beberam champanhe, ou tequila, ou (urru!) absinto. Vocês já se amaram na sala, no corredor, no banheiro, no quarto. É chegada a hora do Repouso do Guerreiro. Tudo está bem, você supõe que poderá assistir a um dos filmes do Bourne que vai passar no Supercine, só que daquela boquinha carnudinha de coraçãozinho dela brotou uma frase inesperada. Algo para o qual você não estava preparado.

Maldição!


E era aqui que queria chegar desde o início. A essa frase. Mas espere mais alguns dias. Vou falar a respeito na próxima coluna. Até lá, por favor, consiga uma garrafa de absinto.

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