25
de maio de 2014 | N° 17807
FABRICIO
CARPINEJAR
Imposto do amor
Enlouqueço
a casa. Procuro as notas de dentista e médico, separo as despesas, caço
bilhetes e comprovantes de rendimento. Acampo na mesa de sala grampeando papéis
e organizando pastas para a Receita Federal.
Sempre
sofro no fim de abril. Minha família me conhece e me abandona ao ódio. Fico
nervoso, implicante, grosseiro, com brotoejas preocupantes no rosto.
O
Imposto de Renda exige revisão minuciosa do ano passado: controle de gastos,
recibos e canhotos. É um trabalho de arqueologia das gavetas, dos bolsos da
mochila, do purgatório do escritório. Qualquer esquecimento gera apreensão. É o
único caso em nossa vida que esquecer é crime.
Enquanto
quase enfartava com a pilha da papelada, criei uma ideia absurda (que só
poderia aparecer diante do esgotamento nervoso): e se houvesse uma Declaração
de Amor, um Imposto do Amor?
Sim,
se todo fossemos obrigados a declarar nossas ações em nome de um namoro ou
casamento. Até 30 de abril, teríamos que enviar declaração de isento ou
informar o que realizamos dentro de uma relação. Seria ainda mais angustiante
do que o IR.
Qual
foi o nosso desempenho? Receberíamos caneta azul ou vermelha? Você realmente
demonstrou amor para seu marido ou mulher em 2013? Estou enxergando as
sutilezas perigosas do quadro.
Não
é complicado projetar a mecânica do tributo a ser colhido na alma do
contribuinte. Gentilezas gerariam reembolso integral. Jantares, shows, viagens,
festas, surpresas, bilhetes, mimos contariam a favor do saldo.
Já
brigas, omissões, egoísmo, ataque de ciúmes, infidelidade, boicote e mentiras
pesariam contra nosso histórico. Cada um de nós sofreria para comprovar seus
sentimentos. Não daria para expor algo sem provas. Responderíamos um longo
questionário no site.
Amou
mesmo? Onde? Como? O que renunciou em nome do outro? O que fez para esclarecer
suas intenções? Cuidou de sua companhia? Dedicou seus melhores esforços ou foi
omisso pelo excesso de trabalho? Amadureceu no entendimento de seus defeitos?
Criou espaço para o respeito das diferenças? Não se colocou em primeiro lugar?
Com
precisão, listaríamos nossas atividades de tempo amoroso. Os contadores
estariam representados pelos terapeutas, que combateriam as distorções,
desculpas e exageros. O ursinho de pelúcia tomaria o trono do rei da selva e
assumiria o papel de mascote do fisco. As propagandas do governo destacariam
características de um novo animal, não mais as mordidas do leão.
“O
abraço de urso não precisa ser apertado. Não deixe para última hora!”
Com
a avaliação anual, descobriríamos ao final se pagaríamos imposto ou ganharíamos
restituição.
Mas
sempre haveria um mundaréu de gente que sonegaria o fisco e não declararia seus
males. Não existe maior sonegação do que no amor.
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