18
de maio de 2014 | N° 17800
MARTHA
MEDEIROS
Fiz um bom negócio
Viva
a filosofia popular, que pode ser extraída até mesmo de uma propaganda de tevê.
Ainda que seja bizarro ver o Sergio Mallandro, o Supla, a Narcisa Tamborindeguy
e o Compadre Washington decapitados em cima de máquinas de lavar, carrinhos de
bebê e aparelhos de som, a ideia é boa. Desapega, desapega.
Você
tem feito um bom negócio?
A
todos os ligeiros, minha admiração e cumprimentos. Sou do time das apegadas – e,
portanto, lentas. Costumo esticar a validade de tudo, sempre acreditando que
ainda há um jeito, que ainda não se esgotaram as tentativas, e assim vou
guardando roupas que não uso mais, ideias para textos que não chegaram a ser
escritos e principalmente pessoas com quem já não tenho compatibilidade,
apostando na fé celestial de que voltarão a significar o que significaram um
dia. Não voltam. Desapega, desapega.
Aqueles
sonhos que você tinha de que o casal envelheceria companheiro, de que vocês
dois atravessariam madrugadas conversando? Desapega.
Que
depois da conversa ainda sobraria algum desejo? Desapega, desapega.
Essa
é pra mim: “Sabe nada, inocente”. Tão racional por um lado, tão romântica por
outro. Poderia já ter mudado de vida, não fosse tão apegada àqueles com quem construí
vínculos, acreditando na potência da intimidade, algo que não se cria em dois
ou três meses, é preciso um investimento a longo prazo. Mas o tempo está passando,
e é preciso deixar de acreditar em romantismo, o mundo está obcecadamente
instantâneo, frenético, inconstante. Desapega.
Tá,
desapego. Mas o que me darão em troca?
Leveza,
dizem. Ok, é um bom negócio. Fechado.
Leveza
é uma conquista da maturidade. Quase não a encontramos entre adolescentes e
jovens de 18, 22, 26 anos, todos preocupados em ganhar dinheiro, encasquetados
com questões irrespondíveis, tentando controlar aquilo que é alçada do destino
apenas. Julgam-se superpoderosos, detentores de uma sabedoria particular, só deles.
Levam nas costas sua mochila cheia de planos, defendem com vigor suas escolhas,
enquanto que nós, que já fomos como eles um dia, hoje sabemos que não adianta,
a vida é metade o que escolhemos e metade o que não escolhemos: a parte que se
impôs sem chance de negociação. Tivemos que vivê-la também. Nem tudo se consegue
planejar.
Cedo
ou tarde eles aprenderão que pouco se pode fazer contra o surgimento das
fatalidades, dos imprevistos e das urgências emocionais. Que chegará a hora de
depositar as armas no chão, levantar os braços e deixar que a vida os conduza.
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