RODRIGO
SALEM DE LOS ANGELES
Mulher nota mil
Angelina
Jolie, a maior estrela de Hollywood, volta a atuar em "Malévola"
depois de quatro anos longe das telas
"Bom
dia, você é meu primeiro", diz uma sorridente Angelina Jolie. Sem
maquiagem, a maior estrela de
Hollywood
me recebe vestindo um suéter cinza largo e calças de seda da mesma cor. Segura
com as duas mãos finas uma caneca de chá quente e tem o dom de fazer o cenário
ao seu redor parecer apenas isso, cenário. Ela é uma estrela, mas não uma diva.
Está relaxada nesse papel e responde a todas as perguntas de modo assertivo e sereno.
Move-se
graciosamente pelo quarto antes de escolher onde sentar. Então, cruza as longas
pernas lentamente, inclina-se para frente, apoia o queixo na mão e me olha nos
olhos quando diz: "Senti falta disso, de entrevistas, de conversar sobre
cinema. Quem diria?" E sorri com aquela boca imensa.
O
local escolhido por ela é o hotel Bel-Air, o preferido de Elizabeth Taylor, de
Marilyn Monroe e da princesa Grace de Mônaco. É um de seus lugares preferidos.
Sua vida "profissional" começa perto da hora do almoço. Mas a mãe de
seis já está em pé desde cedo.
"Nosso
primeiro compromisso de todos os dias é preparar o café da manhã das
crianças", diz. "A família está sempre em primeiro lugar. Se algo
acontece em casa, cancelamos qualquer compromisso."
A
frase é forte, mas não é 100% verdadeira. Afinal, Angelina Jolie é a metade do
casal mais badalado de Hollywood -a outra, caso você tenha morado em Saturno
nos últimos nove anos, é o ator e produtor Brad Pitt, 50. "Eu e Brad temos
um planejamento. Nesse momento, ele está passando mais tempo com as
crianças."
Ou
seja: às vésperas da estreia mundial do novo filme da atriz, seu parceiro (ou
noivo, ela confirmou que devem se casar em breve) passa os dias correndo atrás
dos seis filhos do casal, Maddox, 12, Pax, 10, Zahara, 9, Shiloh, 7, e o casal
de gêmeos Knox e Vivienne, 5.
Brad
não pode reclamar. Angelina volta aos cinemas como atriz em
"Malévola", releitura do clássico da Disney "A Bela
Adormecida", que estreia em 29 de maio, interrompendo uma pausa de quatro
anos sem atuar. "Eu não sabia o que fazer", diz a atriz de 38 anos
sobre o hiato.
"Há
alguns anos, cheguei à conclusão de que gostaria de contar histórias de uma
maneira diferente. E, desde então, não encontrei nada que me importasse o
suficiente para me afastar da família por meses. Precisaria ser algo que nunca
tivesse feito antes."
A
GRANDE VIRADA
Não
foi apenas uma decisão motivada pela falta de bons roteiros em Hollywood. Em
maio do ano passado, Angelina passou por uma cirurgia para a retirada das duas
mamas e colocou seios de silicone no lugar.
O
procedimento, segundo artigo escrito pela própria atriz no "New York
Times", diminuiu suas chances de desenvolver um câncer de 87% para apenas
5% -a mãe dela, Marcheline Bertrand, morreu em 2007, aos 56 anos, vítima de
câncer de ovário. A atriz ainda planeja passar por outra cirurgia para a
retirada do útero e dos ovários.
Esse
é o único assunto que parece deixá-la incomodada -"um pouco
envergonhada", como ela diz. "Mas estou bem, muito bem. Obrigada por
perguntar", responde, em tom mais frágil que o de costume. "Em minhas
viagens, encontro mulheres que passaram pela mesma situação e conversamos sobre
saúde, câncer de mama, de ovário. Me sinto muito próxima delas. A bondade e o
apoio das pessoas me comoveram."
Mas
ela sabe que sua vida é diferente da vida das pessoas comuns. E cheia de
privilégios. Ela é rica, bonita, famosa, requisitada. Mas sempre teve grandes
dramas. Na adolescência, a tendência depressiva a levou a fazer cortes nos
braços e pernas. Era louca por facas.
Foi
casada duas vezes e abandonou os dois maridos, o ator inglês Jonny Lee Miller,
41, com quem ficou de 1996 a
1999, e o ator e diretor americano Billy Bob Thornton, 58, com quem ficou de 2000 a 2003 e cujo nome tatuou no
ombro esquerdo.
A tatuagem
foi apagada com laser e substituída pelas coordenadas geográficas dos locais de
nascimento de seus filhos (Camboja, Etiópia, Vietnã, Namíbia e França) -os três
mais novos biológicos, os três mais velhos, adotivos.
GAROTA
MIMADA
A
relação com o pai, o ator Jon Voight, 75, é tumultuada desde que ela descobriu
as infidelidades dele, que causaram o fim do casamento com sua mãe, em 1980.
Tirou o sobrenome Voight na Justiça. Pai e filha passaram anos sem se falar e
só voltaram a conviver depois da intervenção de Brad Pitt.
Em
2000, ano em que ganhou o Oscar de atriz coadjuvante pelo filme "Garota,
Interrompida" (mas não por causa disso), sua cabeça começou a mudar. Nesse
mesmo ano, filmou a superprodução "Lara Croft: Tomb Raider", no
Camboja, e se assustou com a miséria do país.
A
garota mimada de 26 anos, que se gabava de dormir com facas embaixo do colchão
e usava um colar com gotas de sangue do então marido Billy Bob, começava a
amadurecer. Dois anos depois, adotou seu primeiro filho, Maddox, no país. Virou
embaixadora da Boa Vontade da ONU e já visitou 30 regiões pobres ou em
conflito.
Em
2008, em visita ao Afeganistão, a atriz descobriu ser "alvo" de
grupos radicais por ser mulher e fazer parte da comitiva da ONU -tentaram
invadir seu alojamento e ela foi obrigada a andar com colete à prova de balas.
Chegou
a escrever uma carta de despedida para Brad Pitt, que levava no bolso do colete
o tempo todo. "Não aconteceu nada, mas, duas semanas depois, um
esconderijo da ONU foi destruído em uma explosão. Imaginei que, se algo
acontecesse comigo, ele encontraria a carta", disse ela.
"Depois
de ver os horrores que os homens podem fazer uns com os outros, como genocídio,
estupro e tortura, não posso evitar o pensamento de que existe o mal
verdadeiro", diz. "Parece que há mais situações extremas hoje em dia.
Existe mais sensibilização, mas menos habilidade para levar criminosos à
Justiça.
Também esquecemos facilmente as crises e pulamos para outra mais da moda. Nada
está completo. Não acabamos com o conflito no Iraque ou no Afeganistão. É
frustrante."
Angelina,
que estudou direção e roteiro na Universidade de Nova York antes dos 20 anos,
resolveu praticar o ativismo também por trás das câmeras. Em 2011, lançou seu
primeiro longa de ficção como diretora, "Na Terra de Amor e Ódio", um
drama de guerra pesadíssimo e sem final feliz sobre um relacionamento durante a
Guerra da Bósnia (1992-1995). "É uma carreira nova e exige tempo e
dedicação", diz.
Ela
já tem um novo projeto como diretora, "Unbroken", baseado na história
do americano Louis Zamperini, um ex-corredor olímpico, hoje com 97 anos, que
lutou na Segunda Guerra, ficou à deriva por 47 dias no Pacífico após um
acidente de avião e virou prisioneiro dos japoneses por dois anos.
O
roteiro circulou por Hollywood por quase 30 anos até cair nas mãos de Angelina
e ganhar aura imediata de concorrente ao Oscar -tanto que o estúdio decidiu
lançar o longa em dezembro, período reservado para filmes que querem prêmios.
"Louis tem uma história incrível e é meu vizinho", diz a atriz.
HUMANITÁRIA
No
ano passado, enquanto estava filmando "Unbroken" na Austrália, não
pôde se dedicar tanto ao seu lado humanitário nem viajar a campos de refugiados
mundo afora, atividade a que se dedica com frequência desde 2012. "Foi
difícil me afastar do trabalho nas Nações Unidas. Foi também a única vez em que
precisei me separar por mais de uma semana da família."
Ela
voltou a percorrer zonas de conflito neste ano. Pouco antes da entrevista,
estava no Líbano, dando voz para a história de uma garotinha que perdeu os pais
nos conflitos na Síria e precisava cuidar do irmão mais velho, atingido por
explosões.
Dias
depois, estava na Inglaterra falando sobre a Iniciativa de Prevenção à
Violência Sexual (Psvi), que atua principalmente em zonas de conflito.
"Parece que faço muito, mas esse tipo de ação é mais fácil para nós,
artistas, que trabalhamos poucos meses por ano e temos muito tempo livre",
diz. "Sinto pelas famílias que não têm esse privilégio."
PERVERSA
E ELEGANTE
Mas
como uma mulher aparentemente tão preocupada com o estado
sócio-econômico-ambiental do mundo, que ouve histórias de horror em diferentes
países, volta para casa e encara o trabalho num conto de fadas da Disney?
"Não
sinto que as duas coisas estejam separadas", diz. "Acordei essa manhã
com meus filhos do lado e vivendo nesse mundo, então quero saber o que acontece
nele e fazer minha parte", diz. "Quero exibir 'Malévola' em um campo
de refugiados. Sorrir pode ajudar."
A
vilã Malévola é um ícone da animação da década de 1950 que ganha agora a boca,
os olhos e o corpo de
Angelina
Jolie. "Era minha personagem preferida na infância. Tinha medo, mas me
sentia atraída. Havia algo perversamente maravilhoso nela, uma mulher elegante
com muito autocontrole", diz. "Malévola é assustadora porque
representa a mulher, a mãe, alguém que deveria significar a segurança de uma
criança, mas é o próprio perigo."
Quando
levou os filhos para o set, na Inglaterra, apareceu caracterizada como a vilã,
com próteses nas bochechas e chifres pretos e retorcidos na cabeça. Seu filho
Pax, de dez anos, saiu correndo com medo. "Pensei que fosse
brincadeira", diz. "Comecei a correr atrás dele como se fosse a
personagem, mas ele estava realmente assustado. Precisei tirar os dentes
pontiagudos, toda a maquiagem e as próteses na frente dele para
acalmá-lo."
Mas
nem todos se assustaram. A pequena Vivienne, 5, não precisou fazer testes para
viver o papel da princesa Aurora quando criança. Foi nepotismo involuntário.
"Precisávamos de uma menina que não tivesse medo de mim, porque Aurora não
enxerga
Malévola
como um demônio e tem um coração puro", conta a atriz. "Vivi era a
única que não chorava quando me via."
"Malévola"
é o primeiro filme como diretor de Robert Stromberg, técnico de efeitos visuais
de longas como
"Jogos
Vorazes" e "As Aventuras de Pi". E tem recebido críticas por
querer "humanizar" a vilã, uma feiticeira que se vinga do desprezo de
um rei (Sharlto Copley) ao lançar uma maldição na princesa Aurora (Elle
Fanning, quando alcança a adolescência).
"O
filme explica como ela ganhou a imagem que todo mundo tem de Malévola. É sobre
as origens do mal", justifica a atriz. "Para combater o mal,
precisamos entendê-lo."
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