27
de maio de 2014 | N° 17809
LUIZ
PAULO VASCONCELLOS
A ESCRAVIDÃO IMPERCEBIDA
Aproveitando
o embalo e até mesmo ampliando um pouco o tema da excelente crônica de Carlos
Gerbase sobre o telemarketing e suas múltiplas e nefastas consequências,
publicada na quinta-feira passada, quero hoje fazer um desabafo contra o que
vulgarmente costumamos chamar de redes sociais, ou seja, o modo virtual e solitário
de sustentar um namoro, um noivado, um caso, um casamento, uma amizade ou
qualquer outro tipo de relação. O que é isso, companheiro?
Outro
dia, minha mulher e eu estávamos tomando um café no Machry quando um jovem e
bonito casal entrou, sentou-se na mesa ao lado, pediu alguma coisa ao garçom
sem tirar os olhos das telas de seus celulares. E, durante todo o tempo que
estiveveram ali, eles nem ao menos se olharam uma única vez.
Ele dava um risinho
de vez em quando, mostrava para ela a tela, ela simulava um muxoxo e voltava a
teclar furiosamente centenas de vezes, cada um deles recolhido à sua sólida
solidão social, cada um deles mergulhado no interior de seu brinquedinho de última
geração.
Aí foi
a vez de ela sorrir, mostrar a tela para ele, que deu uma sonora gargalhada, aí
ambos teclaram sorridentes durante longos minutos, até que, em determinado
momento, no meio do diálogo via troca de mensagens, ele chegou a dizer alguma
coisa, “não, hoje não, diz pra ela não encher o saco”, ela fechou a cara, tirou
uma foto dele e disse, “vou mandar pra tua mãe”. O café esfriou, beberam de um
só gole, ele fez cara de nojo enquanto ela limpava os lábios com um
guardanapinho e passava batom refletida na tela do computadorzinho, cada um
mais feliz que o outro, cada um mais realizado que o outro no seu universo
virtual.
Pensam
que estou exagerando? Não estou, não. Estou reproduzindo literalmente o que se
passou ao nosso lado. Ninguém olhou no olho de ninguém, ninguém disse nada a
ninguém, ninguém trocou um sorriso com ninguém, ninguém pegou na mão de ninguém,
ninguém saboreou sequer um café quentinho.
Sim, claro, estavam conectados com o
mundo, toda a rede, o Facebook, o Twitter, o Instagram, o WhatsApp e não sei
mais quais e quantos aplicativos que submetem a juventude de hoje a uma
escravidão ainda impercebida. Resultado? Nosso café também esfriou porque
ficamos fascinados com aquela performance pós-moderna que acontecia ao nosso
lado.
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