terça-feira, 13 de maio de 2014


13 de maio de 2014 | N° 17795
LUIZ PAULO VASCONCELLOS

O PRAZER DA TRAGÉDIA

É impressionante o fato de que, quanto mais desgraçado for o destino dos personagens, mais prazer o público sente. Tara? Masoquismo? Perversão? Vingança? Nada disso. Apenas prazer. Puro e inocente prazer. Freud poderia dizer que é a satisfação de ver a desgraça acontecer sem risco de se tornar vítima dela. E sem culpa. Faz sentido. Querem uns exemplos?

Como eu poderia matar meu pai e casar com a minha mãe se não fosse assistindo a Édipo Rei, de Sófocles? Como uma mulher poderia vingar-se do marido traidor matando os filhos para não lhe deixar herdeiros se não fosse assistindo a Medeia, de Eurípides? Como um homem poderia beijar a boca de outro homem que estava morrendo, vítima de um acidente, se não fosse assistindo a Um Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues?

Aristóteles, na Poética, define a tragédia como sendo “a imitação de uma ação” (...) “que, suscitando a compaixão e o terror, tem por efeito obter a purgação dessas emoções”. A mudança de rumo na trajetória da tragédia deriva de um erro por ignorância, ou seja, um erro de julgamento cometido pelo desconhecimento de um fato importante. Como em Édipo Rei.

Um oráculo revela a Laio e Jocasta, reis de Tebas, que seu filho Édipo matará o pai e se casará com a mãe. Para evitar a desgraça, eles mandam matar o filho. Mas o pastor encarregado da missão se apieda do recém-nascido e o abandona no campo. Outro pastor, vindo de Corinto, recolhe a criança e a leva para os reis daquela cidade, que, não tendo filhos, a adotam.

Quando atinge a maioridade, Édipo vai consultar o oráculo e ouve a mesma sentença – ele matará o pai e se casará com a mãe. Não sabendo que havia sido adotado, abandona Corinto. No caminho, desentende-se com uma comitiva e mata o líder. Chega a Tebas, livra a cidade da peste decifrando o enigma da Esfinge e recebe o trono e a rainha como prêmios.

Anos depois, uma nova peste assola a cidade e um novo oráculo estabelece que a peste só será superada se o assassino de Laio for punido. Édipo ordena que o crime seja investigado. O que ele não sabe é que aquele líder que ele matou quando viajava de Corinto para Tebas era Laio, seu pai. Está configurada a tragédia. Temos compaixão porque não há intenção de crime, mas somos levados ao terror porque, mesmo não havendo intenção, a justiça deve prevalecer e o culpado ser punido. Daí, o que resulta é o prazer. E sem culpa.


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