SAMUEL
PESSÔA
O PIB dos economistas e o PIB do
povo
O
'PIB do povo' cresceu mais do que o 'PIB dos economistas', mas à custa da piora
nas contas externas
Na
terça feira da semana passada, ampla reportagem do jornal "Valor"
noticiou o entusiasmo do titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República e meu colega da FGV, Marcelo Neri, com os avanços
sociais na última década e, em particular, no quadriênio de Dilma Rousseff.
Adicionalmente
o ministro apontou a defasagem que há entre a evolução do produto per capita do
país, também chamado de "PIB dos economistas", e a renda pessoal
medida pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, o
"PIB do povo".
Entre
2003 e 2012, ano da Pnad mais recente disponível, o PIB per capita cresceu em
termos reais 28%, enquanto a renda mediana domiciliar per capita teve aumento
de 78%! Houve defasagem na velocidade de crescimento dos PIBs "do
povo" e "dos economistas" de 50 pontos percentuais.
Marcelo
é reconhecido como um dos melhores microeconomistas da área de economia do
trabalho no Brasil. Microeconomistas trabalham em geral com bases de dados
muito amplas e estudam em detalhe a natureza de cada indivíduo. Diz-se que
olham as árvores sem se preocupar com a floresta. Já os macroeconomistas
estudam a floresta sem se preocupar com cada uma de suas árvores.
O
risco da análise macroeconômica é não notar pequenas dinâmicas que aos poucos
ganham corpo e acabam por ter impactos agregados importantes.
Já
os microeconomistas correm o risco de não reconhecer que a dinâmica da árvore
pode depender de fatores agregados que estejam a atingir toda a floresta. Por
exemplo, é possível que a árvore esteja crescendo mais rápido porque as
condições climáticas alteraram-se transitoriamente, em favor do crescimento.
Quando o clima retor- nar ao padrão usual, a bonança perderá fôlego.
Parece
que esse longo período no qual o PIB do povo andou além do PIB dos economistas
foi acompanhado da construção de desequilíbrios em outras variáveis
macroeconômicas que colocam em xeque a manutenção do processo.
Entre
2003 e 2012, o deficit de transações correntes como proporção do PIB elevou-se
em 3,2 pontos percentuais. Como mostrei na semana passada, nesse período os
termos de troca, isto é, o preço da pauta exportadora em unidades da pauta
importadora, cresceu mais de 20%. Conta simples sugere que, se não tivesse
havido a alteração dos preços em nosso favor, a variação do deficit de
transações correntes entre 2003 e 2012 seria de mais de sete pontos percentuais
do PIB, visto que nesse período a absorção (consumo e investimento dos setores
público e privado) cresceu 60%, e o produto, 40%.
Ou
seja, parece haver associação entre o fortíssimo crescimento do PIB do povo
além do PIB dos economistas e a elevação do deficit externo, que saiu de um
superavit de 1,76% do PIB em 2004 para um deficit hoje na casa de 4%.
Para
verificar essa possível associação, tomei as Pnads de 1981 até 2012. Calculei a
renda individual mediana de todos os trabalhos a preços de 2012. Essa será a
minha medida do PIB do povo. Para o PIB dos economistas, considerei o PIB per
capita a preços de 2012.
Para
cada um dos anos, tomei a diferença entre as taxas de crescimento do PIB do
povo e do PIB dos economistas entre 1981 e a referida data. Sempre que essa
estatística for positiva, significa que, entre 1981 e a referida data, o PIB do
povo andou além do PIB dos economistas. Quando for negativa, o PIB do povo
andou aquém do PIB dos economistas. Chamei essa variável de defasagem entre os
PIBs.
A má
notícia é que a correlação entre o deficit de transações correntes e a defasagem
entre os PIBs é de 75%. Desde a década de 1980, três quartos da variação do PIB
do povo não explicada pela trajetória do PIB dos economistas está associada à
piora das contas externas.
Enquanto
os microeconomistas do governo municiam a presidente e seus auxiliares com
informações positivas associadas ao bom desempenho do PIB do povo, seria
oportuno que os macroeconomistas do governo se debruçassem sobre o problemão de
arrumar a casa --isto é, reduzir o deficit externo, entre outras coisas-- sem
fazer com que o PIB do povo ande muito aquém do PIB dos economistas.
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