sábado, 24 de maio de 2014


25 de maio de 2014 | N° 17807
CÓDIGO DAVID | David Coimbra

Pensando no futuro

O futuro ainda não chegou a parte alguma. Sei isso por causa das roupas que vestimos. No futuro, todas as roupas serão iguais. Pode ver nos filmes. Usaremos aqueles macacões justos e prateados. E botas até a canela. Bom. Parece confortável. Além do mais, será econômico. Você tem dois macacões, dois pares de botas, e pronto.

Outra: vai evitar muita incomodação conjugal nas festas de casamento. Aquilo de a mulher ficar pensando no vestido que vai usar no casamento da amiga um mês antes da cerimônia, aquilo vai acabar. Macacão, bota, deu. Que alegria.

Tenho cá uma tática para o delicado momento em que uma mulher me pede opinião sobre vestidos que ela está experimentando: escolho sempre o segundo e fico nele. Compreenda: não interessa a sua opinião. Ela vai decidir de acordo com a opinião DELA. Mas ela quer que você demonstre interesse e aprove a escolha que fizer.

Então, como o que você disser não fará diferença, aferre-se ao segundo vestido. Por que o segundo? Simples: se você escolher o primeiro, ela achará que você só escolheu para se livrar logo daquilo, o que é verdade, mas ela não pode saber.

Se ela souber, ela ficará ainda mais em dúvida e experimentará 15, 20 vestidos, um suplício. Agora, se você permanecer no segundo, como se estivesse convicto, é possível que ela pare no quarto ou quinto, o que já é uma bênção. E você mostrou que tem opinião, que se interessa por ela. Gol do Brasil.

Não vejo a hora de o futuro chegar e acabar com o drama da escolha das roupas. Nunca mais ter que comprar roupa seria uma bênção. O problema com o futuro talvez seja a questão da alimentação. Pílulas. Vou sentir falta da massa com molho vermelho (vermelho! Molho branco é uma fraude), do filé de quatro dedos de altura, do bacalhau à Gomes de Sá. Aliás, o bacalhau já está acabando. Está em extinção. Disse e repito: não quero viver num mundo sem bacalhau.

A verdade é que o mundo está em constante mudança. São 7 bilhões de pessoas inventando coisas a todo tempo, fazendo com que você fique sempre ultrapassado. Você que tem 20 anos de idade e acha que sabe muito? Prepare-se para essa gurizada de 14 anos. Eles não usam mais e-mail.

Não usam mais e-mail, vejá só.

Há coisas que se tornaram obsoletas antes que eu as experimentasse. O Orkut. Outro dia vi dois rapazes conversando:

– Lembra do tempo do Orkut?

– Velhos tempos...

Nisso tudo, tem algo que me intriga terrivelmente: o creme rinse. Disseramme, outro dia, que não existe mais creme rinse. É verdade? O que as mulheres passam no cabelo agora, depois do xampu? Eu gostava do creme rinse. Até entendo que algumas coisas tenham deixado de existir, como as fitas cassete e as máquinas de escrever, mas o creme rinse? Daqui a pouco vão me dizer que o Melhoral não existe mais. Existe, não é?

Houve uma época em que se tomava Melhoral com Coca-Cola para dar ligadura. Você estava com sono e precisava dirigir? Melhoral com Coca-Cola. A Coca-Cola também servia como bronzeador. As mulheres passavam Coca-Cola no corpo, por Deus. Hoje não existe mais bronzeador.

É o contrário, protetor solar. Minha vida teria sido diferente, se tivesse conhecido o protetor solar na adolescência. Sempre fui branquicela e sofria muito na praia. Uma vez, no ano do primeiro Rock in Rio, 85, fui acampar no Morro dos Conventos e minha namorada, para me proteger do sol, passou óleo Johnson em mim. Fui fritado como uma salsicha. Até hoje acho que aquela namorada me odiava.

Felizmente, o tempo dos bronzeadores acabou. O tempo do cigarro também acabará, isso é certo. As pessoas não acham mais charmoso fumar, algo fatal para qualquer mercadoria. Eu, quando guri, queria muito fumar. Dava um ar de segurança ao homem. Um cara podia ficar sozinho com seu cigarro. Ele estava ali, com seus pensamentos. Tudo estava bem, tudo estava em seu lugar. Você soltava uma baforada lenta, olhava para a fumaça azul que se evolava na noite e sorria enigmaticamente. Sim, senhor, ali estava um homem que sabia das coisas.

Pena que o cigarro dá câncer. No princípio, o cigarro era medicinal. O primeiro europeu a difundir o tabaco foi um embaixador francês chamado Jean Nicot (donde, nicotina). Ele experimentou aquele produto vindo das Américas e sua enxaqueca passou. Enviou-o para a rainha Catarina de Médicis, que usou e também ficou boa da enxaqueca. Então, Catarina, que já havia introduzido a calcinha na civilização, introduziu o cigarro. Grande Catarina.


Agora, o cigarro está chegando ao fim. Preparem-se, aí em Santa Cruz. Duvido que o cigarro volte, como voltou o disco de vinil. O que acho que voltará é a banha de porco. Comida feita com banha de porco tem outro sabor. É infinitamente melhor. Faço um feijão com banha de porco e, juro, trata-se de algo muito sério. Muito sério. Logo algum médico vai recuperar a banha de porco, para o nosso deleite. Aproveitemos, antes que o futuro chegue com sua comida em pílulas. Aproveitemos, que o futuro pode ser sombrio.

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