ELIANE
CANTANHÊDE
Onde nós estamos?
BRASÍLIA - De repente, a
cabeleireira exclamou: "Olha lá, ele está batendo nela de novo!". A
secretária do salão veio correndo para ver, a cliente espichou o olho. As três,
meio incrédulas, meio rindo, passaram a acompanhar as cenas na quitinete do
outro lado da rua. "Ih! Deu outro tapa!"; "Agora ela caiu".
Em vez de olhar a janela, eu olhava
para as três, espantada. Quem vai chamar a polícia? E a cabeleireira: "Eu?
Eu, não. Ele vive dando tapas nela, não vou me meter nisso, não".
Alguém de fora chamou a polícia.
Dois agentes rondaram o local, depois subiram, ficaram alguns minutos, menos de
dez talvez, e se foram.
Uma amiga e eu tentamos ligar
para o 180. Depois da gravação avisando que era a Central de Atendimento à
Mulher da Secretaria da Mulher da Presidência da República, ufa!, uma mocinha
atendeu. Ela queria, além dos meus dados, o nome do agressor, o nome da
agredida, o endereço detalhado... E eu sei?
Desistimos do 180 e fomos à
internet buscar a delegacia da mulher aqui de Brasília. Achamos dois números e
ligamos. Uma gravação informava que "esse número não existe". Nenhum
dos dois.
Derrotada, pensei: quando o
marido matar aquela pobre moça, a polícia vai lá recolher o corpo.
E é assim, pelo cansaço, que as
pessoas vão desistindo de fazer a coisa certa. E algumas passam a fazer a coisa
totalmente errada.
Daí surgem enlouquecidos que
amarram um jovem ladrão num poste, espancam cruelmente outro e são capazes de
cercar, jogar no chão, dar pauladas e passar com um bicicleta em cima da cabeça
de uma moça indefesa, mãe de dois filhos.
Por quê? Alguém postou na
internet o desenho de uma suposta "bruxa", que sequestraria crianças
para rituais macabros. E outro alguém achou que era Fabiane Maria de Jesus, 33.
E outros "alguéns" foram atrás. E dezenas de mais "alguéns"
deixaram acontecer.
Onde nós estamos?
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