quinta-feira, 8 de maio de 2014

ELIANE CANTANHÊDE

Onde nós estamos?

BRASÍLIA - De repente, a cabeleireira exclamou: "Olha lá, ele está batendo nela de novo!". A secretária do salão veio correndo para ver, a cliente espichou o olho. As três, meio incrédulas, meio rindo, passaram a acompanhar as cenas na quitinete do outro lado da rua. "Ih! Deu outro tapa!"; "Agora ela caiu".

Em vez de olhar a janela, eu olhava para as três, espantada. Quem vai chamar a polícia? E a cabeleireira: "Eu? Eu, não. Ele vive dando tapas nela, não vou me meter nisso, não".

Alguém de fora chamou a polícia. Dois agentes rondaram o local, depois subiram, ficaram alguns minutos, menos de dez talvez, e se foram.

Uma amiga e eu tentamos ligar para o 180. Depois da gravação avisando que era a Central de Atendimento à Mulher da Secretaria da Mulher da Presidência da República, ufa!, uma mocinha atendeu. Ela queria, além dos meus dados, o nome do agressor, o nome da agredida, o endereço detalhado... E eu sei?

Desistimos do 180 e fomos à internet buscar a delegacia da mulher aqui de Brasília. Achamos dois números e ligamos. Uma gravação informava que "esse número não existe". Nenhum dos dois.

Derrotada, pensei: quando o marido matar aquela pobre moça, a polícia vai lá recolher o corpo.

E é assim, pelo cansaço, que as pessoas vão desistindo de fazer a coisa certa. E algumas passam a fazer a coisa totalmente errada.

Daí surgem enlouquecidos que amarram um jovem ladrão num poste, espancam cruelmente outro e são capazes de cercar, jogar no chão, dar pauladas e passar com um bicicleta em cima da cabeça de uma moça indefesa, mãe de dois filhos.

Por quê? Alguém postou na internet o desenho de uma suposta "bruxa", que sequestraria crianças para rituais macabros. E outro alguém achou que era Fabiane Maria de Jesus, 33. E outros "alguéns" foram atrás. E dezenas de mais "alguéns" deixaram acontecer.


Onde nós estamos?

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