21 de maio de 2014 | N°
17803
MARTHA MEDEIROS
Os fora da lei
Que comece logo essa Copa e que
termine de uma vez, para que, de volta à rotina, possamos avaliar o que está
acontecendo no país de forma mais focada. A Copa não tem culpa de nada, mas sem
dúvida despertou uma enorme sensação de injustiça e revolta – perdeu quem
contava com o povo pacífico de sempre. Esse despertar é positivo, pois só
reivindicando é que teremos as necessidades prioritárias atendidas, mas, para
atendê-las, os três poderes precisam assumir suas funções com honradez. O que
está ocorrendo é justamente o contrário: um desgoverno crescente. Diante disso,
as pessoas passam a agir pela própria cabeça e com seus próprios meios.
A onda de linchamentos ilustra
esse desgoverno. Provocada pela excitação do momento e pela sensação de
impunidade que a ação em bando provoca, acaba-se cometendo crimes atrozes
contra suspeitos que não tiveram julgamento nem chance de defesa. Barbárie
pura.
Num grau menos violento, mas
igualmente perturbador, são os saques que tomaram conta de Pernambuco nos
últimos dias – e cito Pernambuco apenas como exemplo recente. Vendo as cenas de
transeuntes saindo de lojas carregando o que podiam, fiquei pensando como tudo
é uma questão de semântica. O que difere o saqueador de um ladrão? O fato de
não ter havido ameaça antes do roubo? De não ter sido um ato planejado, e sim
uma ação provocada por uma oportunidade? O direito de propriedade privada deixa
de existir caso o movimento seja feito em grupo e não isolado?
Ainda no Nordeste, já aconteceu
de estradas terem sido fechadas por moradores das redondezas a fim de promover
um “pedágio solidário”: só liberavam o trânsito se o motorista colaborasse com
dinheiro ou com produtos para a cesta básica. Caminhoneiros precisavam ceder
parte da carga para poder ir em frente, e assim as comunidades eram abastecidas
com leite, cereais, remédios, frutas. Carros particulares podiam dar uma
quantia em espécie, a critério do gentil doador. Sem uso de arma, tudo muito
educado. Uma contribuição “espontânea”.
Há saqueadores de todo tipo. Os
de baixa renda reforçam a despensa na beira da estrada, os de alta renda
sonegam impostos, e assim cada um vai fazendo justiça à sua maneira. Essa
subversão não é consequência da gestão de um partido específico, e sim de uma
cultura política que vem apodrecendo há décadas, somada a uma índole nacional
que nunca foi exatamente nobre (sermos alegres, hospitaleiros, musicais e bons
de bola nos torna simpáticos, mas simpatia não é um valor que, por si só, salve
o caráter).
Se antes o “jeitinho” acontecia
por baixo dos panos, agora colocamos a cara na janela, deixando claro que não
estamos mais dispostos a obedecer nada e a ninguém. Ou o Brasil passa a ser
governado com profunda seriedade, ou esse será, infelizmente, o plano mais bem-sucedido
da nossa história: o plano B.
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