14
de maio de 2014 | N° 17796
MARTHA
MEDEIROS
Ansiedade em vão
Não
conhecia o Iago, o rapaz que entrou na contramão na ponte do Guaíba e percebeu
tarde demais que o vão estava levantado. Ele não conseguiu frear a tempo, caiu
e abreviou sua vida por causa de uma aflição.
Não
sei detalhes da história, a não ser que ele estava atrasado e que não conhecia
bem os meandros de entrada e saída de Porto Alegre. Tinha um carro na mão, um
relógio fazendo tic-tac e uma entrevista marcada, e já passava da hora: quem
tem o mínimo de responsabilidade sabe que compromissos existem para serem
cumpridos.
Uma
das razões de o Brasil ser essa bagunça colossal é que a palavra compromisso,
para a maioria, não tem o menor valor.
Para
Iago, tinha. Mas até onde devemos sucumbir ao desatino? Se o plano inicial começou
errado, melhor não emendar com novos erros. Um atraso normalmente acarreta
excesso de velocidade, estacionar em local proibido, estresse, e tudo isso para
quê? No caso do garoto, o desespero resultou numa fatalidade.
Mais
vale aceitar nossos vacilos sem buscar uma correção afobada. Falhou, está falhado.
Respire fundo e vá tomar um café. Celular também existe para isso: “Não
consegui chegar, desculpe”.
Claro
que ele não cogitou morrer. Pensou no máximo na perda de emprego, de
oportunidade, de promoção, de seja o que for que a entrevista significasse. Ele
apenas quis correr atrás do prejuízo. E no caminho não viu as placas de
sinalização, todas de costas para ele.
A
aflição é como um sol traidor, aquele que bate de frente e te cega.
Para
muitos, foi apenas um acidente com características incomuns. Para mim, foi um
aviso: não vale a pena sacrificar a vida pelo bom-mocismo.
Já fiz
o que ele fez. Já me perdi por ansiedade, já me senti devedora por não cumprir
o combinado, já tentei consertar estragos numa tentativa presunçosa de extirpar
o erro da minha biografia. Ora, um erro ou outro, o que é que tem? Aquele que não
se permite uns desacertos se desumaniza pela insistência em ser perfeito.
Pressupondo
que eu esteja certa a respeito da angústia do Iago, ela me fez sentir total
empatia com a situação dele. Naqueles segundos finais antes de cair da ponte,
ele deve ter pensado: “O que fui fazer!”. Está feito. Mas ficou o recado: sejamos
todos mais atentos, porém menos ansiosos. A ansiedade não serve para nada, ela
apenas faz com que tentemos superar a nós mesmos. “Superar a nós mesmos” é uma
bonita frase de efeito, mas induz a uma competição besta: o vencedor e o
perdedor são a mesma pessoa.
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