29 de maio de 2014 | N°
17811
L.F. VERISSIMO
Loiras
O filme Grace de Mônaco dividiu
as opiniões em Cannes. Uns não gostaram e outros odiaram. O correspondente do
jornal inglês The Guardian em Cannes chegou a dizer que foi o pior filme jamais
mostrado no festival. O filme não é tão ruim assim.
Tem as belas vistas de Mônaco
e... Bem, tem as belas vistas de Mônaco. Nicole Kidman está bonita como Grace
Kelly, mas botaram para atuar ao seu lado como o príncipe Rainier, na pior
escolha de elenco desde que Gerard Depardieu foi um Cristóvão Colombo com
sotaque francês tão carregado que você ficava esperando que a reação dele ao
descobrir um novo mundo fosse “u-lalá”, Tim Roth, com a sua permanente cara de
“alguém deu um pum”.
Segundo o filme, foi a simpatia de Grace Kelly que impediu
a invasão do principado de Mônaco por Charles de Gaulle – que no filme é
representado, este sim, por um ator convincente, ou pelo menos com um nariz
convincente. Há uma cena em que, participando de um jantar beneficente no
principado, De Gaulle sente à sua volta o amor que Grace desperta entre seus
súditos e você vê na sua cara toda a política externa da França sendo revisada.
Deve ter sido uma das cenas vaiadas em Cannes.
Mas a loira do momento na França
não é Grace Kelly, é a Marine Le Pen, depois da retumbante vitória da direita
nas recentes eleições de representantes franceses no parlamento europeu. A
vitória da direita só não retumbou mais porque não alterou a composição do
parlamento francês, onde a Frente Nacional de Le Pen tem escassa representação,
não foi acompanhada por uma guinada para a direita tão radical no resto da
Europa e todos sabem que a política francesa é ciclotímica, pula da direita
para a esquerda e da esquerda para a direita com desenvoltura de macaco.
De qualquer maneira, até
avaliação eleitoral em contrário, a Frente Nacional é hoje o maior partido do
país. Grande parte do seu sucesso se deve a Marine, mais simpática do que seu
assustador pai, Jean-Marie, e que conseguiu transformar um partido xenófobo,
racista e antissemita numa opção política palatável, e vencedora.
Discute-se o que é mais perigoso,
uma direita dissimulada com boa cara ou uma direita assumidamente carrancuda. O
sucesso da loira Marine deve ser visto num contexto bem maior e menos simpático
do que ela, de populismo reacionário, de revolta contra imigrantes e de
antiesquerdismo primário. Um contexto que se alastra pela Europa toda e agora
tem uma vendedora sorridente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário