sábado, 17 de maio de 2014


18 de maio de 2014 | N° 17800
 L. F. VERISSIMO

A outra vida do sr. Antônio

Dona Julinha desconfiou quando entrou na sala a tempo de ouvir seu marido, o sr. Antônio, dizer “Tchau, amor” e desligar o telefone.

– Com quem você estava falando, Antônio? – Ninguém. – Como é possível falar no telefone com ninguém, Antônio?

O sr. Antônio apenas sorriu. A mesma coisa aconteceu outras vezes depois disso, até que dona Julinha perdeu a paciência e pediu explicações. Com quem o sr. Antônio falava ao telefone tão carinhosamente – e se despedia tão rapidamente quando a mulher aparecia? O sr. Antônio hesitou, depois falou.

– Está bem, Julinha. Se você quer mesmo saber... Eu tenho outra mulher. Uma amante. Nos conhecemos há 20 anos.

– O quê?! E, diante do espanto da mulher, o sr. Antônio completou: – O nome dela é Sulamita.

Dona Julinha não sabia o que fazer com aquela informação. De repente, uma Sulamita na vida deles! O sr. Antônio tinha outra mulher. Outro lar. Talvez outra família. Outra vida! Logo o sr. Antônio, que um dia declarara “Julinha, eu não sei se gosto mais de você ou dos meus chinelos de camurça”. Logo o sr. Antônio, tão caseiro, tão pacato, com uma amante – chamada Sulamita!

Dona Julinha reuniu os filhos para pedir conselhos. O que deveria fazer? Seu primeiro impulso fora o de expulsar o marido de casa. Ele que fosse viver com a outra. Mas os filhos não concordaram. Um divórcio, àquela altura da vida do casal? Seria complicado. E desnecessário. Dona Julinha que aprendesse a viver com a nova realidade. Afinal, o sr. Antônio, apesar de ter uma amante durante 20 anos, escolhera ficar com a mulher. De certa maneira, optara pelos chinelos de camurça.

Durante semanas, dona Julinha não dirigiu uma palavra ao marido. Comiam em silêncio. Viam a novela em silêncio. Até que um dia, levada mais pela curiosidade do que por vontade de brigar, dona Julinha perguntou:


– Como vocês se conheceram?

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