WALCYR
CARRASCO
16/05/2014
20h50
Honestidade existe
O
espantoso é que a gente se espante com os atos de quem ainda crê na honra como
antigamente
Um
amigo carioca fez compras no shopping Rio Sul e pegou um táxi para voltar. Quando
desceu e entrou em seu prédio, descobriu que esquecera todas as sacolas no táxi.
Deu um tapa na cabeça, de raiva.
– Como
fiz uma besteira dessas? Nesse instante, o taxista fez um sinal da porta.
– Ei,
amigo. Acho que você esqueceu essas sacolas aqui.
Simples
assim. Quando ele desceu, o taxista percebeu o lapso. Fez a volta na quadra,
voltou.
Quando
se conta uma história dessas, as pessoas ficam surpresas. Mas como? O taxista não
ficou com as compras? Estamos tão acostumados com a falta de escrúpulos que um
gesto de honestidade surpreende. Se alguém encontra dinheiro perdido e devolve,
vira notícia de jornal. Como o casal de moradores de rua que espantou o país em
2012, ao devolver cerca de R$ 20 mil encontrados num saco plástico, abandonado
por assaltantes de um restaurante japonês. Ou outras pequenas mas simbólicas
situações, em que pessoas comuns encontraram dinheiro perdido e devolveram.
O
espantoso é que a gente se espante com isso, que se torne notícia. A
honestidade não deveria ser notícia, mas hábito. Crimes contra o patrimônio,
corrupção, mortes violentas como a da mulher linchada em Guarujá, São Paulo, se
tornaram tão habituais no noticiário que nos espantamos com a decência. E, no
entanto, duas ou três gerações atrás, o homem preferia morrer a perder a honra.
A palavra dada valia mais que a assinatura de um documento. Conheci gente, na
minha infância, que perdeu tudo o que tinha para pagar dívidas contraídas no
fio do bigode. Ter o nome sujo era uma vergonha. Para ter nome sujo, bastava não
pagar uma dívida, atrasar um crediário, levar uma denúncia ou processo por
inadimplência.
Sei
que, hoje, ainda há muitos que se importam com isso. Cada vez mais, porém,
tanto faz. O importante é se dar bem, mesmo que isso signifique dar um golpe no
vizinho. Não sou especialista, mas há quem diga que a quebra de valores cresceu
violentamente quando certo presidente declarou em rede pública que enormes
quantias encontradas no caixa dois eram só “dinheiro não contabilizado”. Bem,
meu objetivo aqui não é falar sobre o mau exemplo daqueles que elegemos e
deveriam ser os guardiões da moralidade pública. Mas dizer que, sim, há esperança.
Na
semana passada, estive em São José dos Ausentes, uma pequena cidade encravada
no alto da serra gaúcha. É um dos poucos lugares no país onde neva. Tem pouco
mais de 3 mil habitantes e uma paisagem indescritível, onde foi gravada A casa
das sete mulheres e os capítulos iniciais da novela O profeta, ambos da TV
Globo. Vive do gado, da plantação de batatas, da pesca de trutas e, em breve,
da energia eólica – as primeiras torres já estão em instalação. Mais que com a
paisagem, me espantei com o clima de honestidade, que relembra os valores
antigos. Numa compra, a soma deu R$ 13. Entreguei R$ 14, já dizendo:
– Não
precisa me dar o troco.
– Faço
questão – respondeu a vendedora, e sacou uma moeda de R$ 1.
Imaginava
que, como sempre aqui no eixo Rio-São Paulo, não haveria troco! Lá, em São José,
eles têm sim. Durante dias, a cada compra, por menor que fosse, eu recebia
religiosamente as moedinhas de volta. Mais: ao chegar, percebi que nenhuma casa
tinha grades, cerca eletrônica ou qualquer dispositivo de segurança. Muros
baixos e jardins, uma prova de que os moradores não têm medo.
A
simpatia e a educação dos habitantes eram impressionantes. A dona do pequeno
hotel em que fiquei, Mana, nos esperou com uma sopa quente às 2 da manhã,
quando chegamos.
– Devem
estar com frio, eu mesma fiz este capelete com galinha caipira.
Quando
fui pagar a conta, a sopa estava lá. Sem nenhum custo extra por ser servida de
madrugada, pela própria dona – que, soube depois, levantava às 5 horas para
preparar o café da manhã dos hóspedes. E, bem... custou pouco mais de R$ 10
porque, de acordo com Mana, era o preço justo. A violência é raríssima. É possível
sair à noite, andar a cidade toda, em paz. O que mais me surpreendeu foi descobrir
que há moradores que deixam o carro com a chave no contato. O secretário de
Turismo, Alziro, certa vez perguntou a um senhor por que fazia isso. Não seria
arriscado?
– É melhor,
porque não esqueço onde está a chave – respondeu o proprietário. Simples assim.
Como São José dos Ausentes, em muitas cidades a honestidade ainda é a regra, não
a exceção. Ainda bem.
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