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terça-feira, 3 de abril de 2012
03 de abril de 2012 | N° 17028
FABRÍCIO CARPINEJAR
Trabalho de parto
Jussara deixou para definir o nome de sua filha na última hora, curtia a dúvida, sondava numerologias. Apostou na inseminação artificial para não sofrer com dilemas existenciais com nenhum homem. Temia que fosse subornada por chocolate nos instantes derradeiros e aceitasse batizar seu bebê de Frisson, a Mulher Melão.
Era influenciável demais para dividir a vida com um marido. Aceitaria qualquer sugestão como ordem. Não aprendeu a dizer não, tomada de arrebatamentos generosos que lhe colocavam em maus lençóis. Não podia ter um estagiário, que já cumpria o trabalho de banco para ele. Não podia ter uma empregada, que já cozinhava para ela.
Não podia chamar uma pizza, que convidava o entregador a comer junto. A culpa crescia e dividia os méritos e renunciava à autoria do sucesso. Jussara evitava a convivência para não ser corinho, rejeitava o amor para não ser escrava do sexo e da gentileza. A gravidez não foi bem coragem, mas cobrança da mãe por um neto. Atendeu ao pedido para dispensar explicações em toda visita.
A gestação seguiu tranquila, até o dia D. Rompeu a bolsa e ela se desesperou. Não havia ajuda para montar a mala e partir para o hospital. Não havia amparo para superar os cinco andares de seu prédio. Não havia sequer um nome para a filha (não bateu o martelo de tanto que saboreava o índice onomástico do Guinness Book).
Fazendo respiração meio latido meio miado, ela tentou ligar para a mãe, que não atendeu. Tentou também o táxi, só ocupado. Ainda por cima chovia. Despencou escada abaixo. Já na rua, ensopada, ninguém parava diante de seu sinal educado e tímido.
A sorte é que uma jovem passou pela gestante e se preocupou com os gemidos. Não titubeou, colocou Jussara no banco traseiro do Palio e correu ao Mãe de Deus. A nissei dirigia com astúcia, ziguezagueando a Ipiranga, atalhando pelo corredor do ônibus.
– Calma, estamos chegando – acalmava a voluntária, com forte sotaque oriental.
Jussara desceu a salvo na entrada do hospital. Posta numa maca, reuniu ânimo para segurar o braço da salvadora e sussurrar:
– Gostaria de agradecer o gesto dando seu nome a minha filha. Como se chama?
– Sou Suashará – ela respondeu.
– O quê?
– Suashará – ela repetiu.
Jussara se arrependeu da promessa, sua filha receberia um nome incompreensível aos ouvidos ocidentais, mas tinha palavra, não iria quebrar a homenagem.
Pena que, no calor do momento, não prestou atenção no que realmente falou a estranha:
– Sou sua xará.
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