terça-feira, 3 de abril de 2012



03 de abril de 2012 | N° 17028
CLÁUDIO MORENO


Duplo sentido

Só um ingênuo pode acreditar que suas palavras tenham, para os outros, o mesmo valor que ele atribui. Um dia, se tiver sorte, a vida vai curá-lo dessa perigosa inocência, e ele vai constatar, surpreso, que mesmo os ditos comuns e os provérbios consagrados que ele usava com tanta segurança podem ter uma interpretação diferente.

“Pedra que rola não cria limo” – essa é uma verdade que a Natureza há milhões de anos vem se encarregando de confirmar. O que a frase quer dizer?

Que eu devo me mover, devo me agitar para evitar a estagnação (representada pelo limo), ou, ao contrário, que preciso me estabelecer, criar raízes, para que o limo tenha tempo para crescer? Afinal, é um incentivo à mobilidade ou um elogio da vida estável? Posso usá-la em ambos os sentidos.

Outro exemplo notável é “a palavra falada voa, a palavra escrita permanece”, um dito que já era famoso na Antiguidade. Eu sempre tinha lido (e empregado) essa frase como um conselho para registrar as coisas por escrito, a fim de não perdê-las em algum desvão da memória.

Para mim e para milhões de outras almas deste mundo essa era uma advertência contra a volatilidade da palavra falada; não me passava pela cabeça a hipótese de que outros tantos milhões vissem nela um alerta contra esta técnica tão perigosamente indiscreta – até que li a vida de Alexandre, contada por Plutarco.

Ao que parece, o grande conquistador estava em plena campanha contra os exércitos persas de Dario quando ficou sabendo que Aristóteles, seu mestre e tutor, tinha decidido publicar seus tratados mais importantes.

Sem hesitar, escreveu-lhe então uma carta em que expressava sua contrariedade: “Que vantagem terei sobre o resto dos homens, se as valiosas lições que tu me deste vão ficar ao alcance de todos? Sabes que o conhecimento e a sabedoria me interessam mais que o poder e a riqueza”.

Essa era nova para mim: Alexandre não se importava com a transitoriedade do que é falado, mas sim com a permanência do que é escrito; o que sempre considerei uma virtude da escrita era, para ele, o seu maior perigo e desvantagem.

Prisioneiro de minha interpretação, tinha passado a vida toda usando a frase sem enxergar esta outra maneira de entendê-la, que agora me parecia tão óbvia quanto válida!

Pois aprendi. E aprendi também com Aristóteles; a resposta que ele deu tranquilizou seu brilhante discípulo e ainda serve muito bem para pulverizar esses insetos que hoje torcem descaradamente pelo fim da figura do professor: “Dizes que minhas obras deveriam continuar secretas – e elas assim continuam: apesar de publicadas, não foram tornadas públicas, pois só quem estudou comigo poderá compreendê-las”.

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