terça-feira, 3 de abril de 2012



03 de abril de 2012 | N° 17028
DAVID COIMBRA


O verdadeiro Capitão Rodrigo

Sei exatamente como era o Capitão Rodrigo.

Ele era o Tarcísio Meira.

Havia lido “O Tempo e o Vento” antes de Tarcísio Meira interpretar o Capitão no seriado da Globo. Quer dizer: já existia, na minha imaginação, um certo Capitão Rodrigo. Eu o via entrando na pequena Santa Fé “com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida e aquele olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas”.

Eu o via montado no seu alazão munido dos dois apetrechos que tão bem definiam sua personalidade, o violão a tiracolo e a espada apresilhada aos arreios. Eu o via irrompendo na venda do Nicolau a arrostar:

– Buenas e me espalho!

Podia ver materializado o Capitão Rodrigo ao cabo da leitura do romance do Erico. Mas, quando Tarcísio Meira vestiu-se de Capitão Rodrigo, ele fez mais do que isso, fez mais do que vestir um personagem. Tarcísio Meira assenhoreou-se do Capitão Rodrigo, tomou para si o herói, poderia quase dizer que o roubou de Erico Verissimo, se não soubesse que um texto, depois de escrito, não é mais de quem escreveu; é de quem leu.

O surpreendente é que Tarcísio Meira montou um Capitão Rodrigo mais fiel do que o da minha imaginação, montou um Capitão Rodrigo na plenitude dos seus predicados, com seu jeito desabrido de confrontar as pessoas, seu sorriso que desbordava do rosto, seu irreprimível prazer pela vida, sua bravura indomável e, o mais importante, sua lealdade.

Eis a qualidade que mais se destacava no Capitão Rodrigo de Erico e de Tarcísio: a lealdade. É a qualidade que faz de um homem um homem de verdade, é o que distingue esse homem dos seres humanos que estão fazendo apenas figuração no planeta.

Tarcísio Meira construiu um Capitão Rodrigo com essa dimensão. A lealdade feroz do Capitão Rodrigo de Tarcísio Meira se derramava da moldura da TV e preenchia a imaginação do telespectador.

Não era um gaúcho típico que estava lá, não, porque a grande literatura é universal. Pouco importa se a trama se passa na Santa Fé de Erico, na Ilhéus de Jorge Amado, na Moscou de Dostoievski ou na Nova York disfarçada de Ed McBain. O que importa é que a essência dos sentimentos humanos é vivida pelos personagens, e vivida com a força e a verossimilhança que, por exemplo, Tarcísio Meira soube dar ao seu Capitão Rodrigo.

Será que agora Thiago Lacerda e Jayme Monjardim conseguirão mudar a cara do Capitão Rodrigo, nesse novo “O Tempo e o Vento” que está sendo urdido no interior profundo do Rio Grande do Sul? Não sei.

Mas sei que, se eles conseguirem, será porque deram ao Capitão Rodrigo mais do que o seu espírito livre de herói, como é o espírito de todos os heróis. Será porque mostraram que o seu Capitão Rodrigo é, mais do que tudo, um homem leal. E um homem só se realiza como homem se for leal.

Mas há um detalhe sobre a lealdade. Ela não é uma qualidade que se aplica apenas aos amigos. O homem leal usa de lealdade também com seus inimigos, sem distinção e sempre, como demonstra o Capitão Rodrigo na ficção.

Como demonstrou Kleber, dias atrás, na realidade. Quando Kleber disse que o zagueiro que lhe quebrou a perna não precisava pedir desculpas, pois a falta havia sido “normal”, ele fez mais do que uma demonstração de profissionalismo. Fez uma demonstração de lealdade.

Léo Carioca, o zagueiro agressor, cometeu uma falta violenta, mas o que Kleber ganharia repudiando-o de público? O que tiraria de bom disso? Ele apenas se vingaria de um colega que ganha muito menos, que tem muito menos projeção e que não foi maldoso, foi apenas temerário. Kleber, então, optou pelo cavalheirismo.

Pela lealdade. É um jogador diferenciado. Sem ele, o Grêmio perde mais do que um grande jogador; perde um líder e um exemplo. Como se o Grêmio, agora, fosse Santa Fé sem o carisma de um certo Capitão Rodrigo.

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