segunda-feira, 7 de dezembro de 2009



07 de dezembro de 2009 | N° 16178
L. F. VERISSIMO


Penetras e penetras

Tareq e Michaele Salahi são as celebridades do momento nos Estados Unidos. Razão: entraram num jantar de gala na Casa Branca sem serem convidados.

Passaram por três postos de controle, abanaram para as câmeras que cobriam a entrada da festa e mostraram-se tão à vontade durante o coquetel e o jantar (“Eles pareciam conhecer todo mundo”, disse alguém, depois), que ninguém suspeitou da sua condição de clandestinos.

Há fotos dos dois conversando com o Obama e a mulher, e é possível que já estivessem chamando o presidente de “Barack, baby”.

O fato provocou uma investigação do sistema de segurança da Casa Branca e perguntas no Congresso, e Tareq e Michaele estão cobrando para dar entrevistas. Entraram para a lista dos grandes penetras da História.

Mas há penetras e penetras. Alguns, ao contrário do casal Salahi, são penetras por distração. Aconteceu comigo, há dias. A banda em que eu toco tinha sido convidada a participar de um evento num bairro em que as placas de rua são raras e os números dos prédios nem sempre visíveis.

Eu sabia mais ou menos aonde deveria ir, mas sem muita certeza. Passo por um prédio e vejo que há manobristas na calçada. É aqui, decido. Onde há manobristas, há festa. Entrego o carro e me apresento ao porteiro do edifício. Meu nome não consta na lista de convidados. Mostro o estojo do saxofone. Explico:

– Eu sou da banda.

Relutantemente – ninguém lhe avisou que haveria uma banda –, o porteiro me deixa entrar, talvez convencido de que, com a minha cara, é pouco provável que o “saxofone” seja uma metralhadora. Subo pelo elevador de serviço e entro pela cozinha do apartamento de cobertura onde se realizará a festa. Tenho uma rápida visão da comida sendo preparada. Mmmm. Se sobrar para os músicos, penso, vamos nos dar bem. Sou o primeiro a chegar. Nossa apresentação está marcada para as 8h30min.

São 8h15min e nem sinal do resto da banda. Pergunto a um garçom se os outros músicos já chegaram. Seu “não” vem acompanhado de uma cara de incompreensão. Pergunto se ele sabe onde a banda vai ficar. Ele diz outro “não” e desaparece, rapidamente. Não quer conversa com um maluco. Aí aparecem os donos do apartamento.

Como se sabe, existe um deus dos patetas. Ele é encarregado de evitar que os distraídos se machuquem demais ou passem por vexames muito grandes. Graças ao deus dos patetas, eu e os donos da casa nos conhecemos.

Eles me saúdam com grande simpatia. Que prazer tê-lo aqui, etc. Se estão perplexos com minha presença no seu jantar, ainda mais carregando um saxofone, não demonstram. A conversa é agradável. A vista da cobertura é espetacular. Aceito um copo de champanhe.

Começam a chegar os convidados. O tempo passa. Nove horas e nada dos outros músicos aparecerem. Quando me oferecem outro copo de champanhe, recuso. Porque a esta altura já não tenho mais dúvida de que entrei na festa errada!

Peço desculpa, me despeço e me retiro, esperando parecer mais um excêntrico do que um trapalhão. E saio a procurar a banda. E pelo resto da noite só consigo pensar no jantar que estava perdendo, naquele terraço, sob aquela lua cheia.

Enfim, há penetras convictos, como o casal Salahi, e há os patetas.

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