sábado, 6 de setembro de 2008



PAGAR O PATO

Não vai sobrar um só para contar história.

Depois que a Polícia Federal resolveu mexer demais na vida do banqueiro Daniel Dantas, com ou sem conhecimento do presidente da República, tudo se acelerou no Brasil. De repente, o STF saiu do seu marasmo canônico e percebeu que havia abuso no uso de algemas no Brasil.

Foi rápido. Não levou mais do que algumas décadas. Nada, obviamente, a ver com as cenas de poderosos usando os braceletes policiais na frente das câmeras de televisão.

Tudo mera coincidência. Nunca o STF havia manifestado qualquer incômodo com aquelas imagens da ralé sem camisa, tentando esconder a cara contra a parede e sendo implacavelmente perseguida pelo olho indiscreto da máquina sempre tão neutra e sem marcas de classe social.

Restringiu-se o uso das algemas. Isso deu tanto trabalho ao STF que o seu presidente se obrigou a reclamar um aumento de salário para a sua turma. Estavam ganhando indigentes R$ 23 mil mensais. Mereciam mais pelos bons serviços prestados aos donos do poder econômico nacional.

Logo depois que Daniel Dantas passou uma noite alojado por conta das autoridades policiais brasileiras, o delegado Protógones Queiroz, encarregado do caso, caiu em desgraça.

Quer dizer, foi dispensado para fazer um curso de aperfeiçoamento que não podia esperar. Alguém precisava pensar no seu futuro. O juiz que determinou a prisão do bando passou maus bocados.

Tarefa de juiz de bom senso é libertar poderosos, não os meter na cadeia. Por fim, descobriu-se um grampo providencial do telefone do presidente do STF, o que permitiu o afastamento do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Dantas e os seus amigos recuperaram rapidamente a liberdade, embora existam provas gravadas deselegantemente da tentativa rasteira de suborno que praticaram com autoridades policiais.

Aos poucos, a ordem está sendo restabelecida. O STF tem mostrado serviço. Esses policiais e esses juízes afobados vão aprender a não mexer com homens de bens. Não vão mais meter algemas em braços dourados ao sol de Miami.

Só falta agora uma regulamentação mais rigorosa para essas abomináveis escutas telefônicas. Parece que o ideal é bastante simples e exeqüível: algemas e escutas telefônicas devem ser reservadas para esses elementos de baixo nível.

Não é de duvidar que todos aqueles que atrapalharam a vida de Daniel Dantas venham não só a perder seus empregos como também a passar algum tempo atrás das grades. Pascal já dizia que o contrário de uma verdade profunda pode não ser uma mentira, mas outra verdade profunda.

Se é lamentável, numa democracia, espionar a figura máxima do Judiciário, não parece menos deprimente constatar que toda essa agitação resulta de uma investida contra as ações ilícitas de um banqueiro acostumado a não ter os seus negócios interrompidos.

Daniel Dantas faz o capital circular. Não pode ser vítima de obstáculos legais. É um empresário devotado à mais nobre causa da humanidade: multiplicar dinheiro.

Sabe que os fins justificam os meios econômicos e que, na fase primitiva, a acumulação necessita de métodos pouco ortodoxos.

Não deve pagar o pato. No máximo, uma propina pelo pato. Ainda bem que tudo está voltando ao normal. A movimentação do capital não será mais afetada por interesses éticos infames. Patos, claro, somos nós.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótimo sábado e um excelente fim de semana

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