sábado, 6 de setembro de 2008



06 de setembro de 2008
N° 15718 - A CENA MÉDICA | MOACYR SCLIAR


Arte, loucura, terapia

A idéia segundo a qual os artistas são meio malucos é antiga. Para os gregos, o impulso artístico resultava de uma possessão, verdade que pelas gentis Musas, mas possessão.

E de possessão a loucura vai um passo, o que explica o comentário do poeta inglês Lord Byron: “We, of the craft, we are all crazy”, nós, desse ofício, somos todos loucos. O diagnóstico vale não só para a poesia, mas para todas as artes. Na pintura não foram poucos os casos de franca doença mental.

Num ataque de loucura, Vincent Van Gogh cortou uma orelha. O norueguês Edvard Munch, de O Grito, era alcoólatra, sofria de alucinações e foi internado numa clínica psiquiátrica. Andy Warhol tinha um grau moderado de autismo.

O artista é uma pessoa que tem um contato privilegiado com o inconsciente, aquela obscura parte de nossa mente que abriga delírios, sonhos e fantasias.

Baseada nisto a psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999) criou o Museu do Inconsciente. Espírito independente – foi presa como comunista –, Nise recusava os tratamentos convencionais, como o eletrochoque.

Discípula de Jung, ela buscava uma compreensão mais profunda do universo interior do esquizofrênico e via nos desenhos e pinturas de seus pacientes (alguns dos quais, como Artur Bispo do Rosário, ficaram famosos) o caminho para isso.

Que estava certa mostram-no também os vários testes que se baseiam no desenho ou na interpretação de imagens para o diagnóstico da situação mental da pessoa, o Rorschach sendo disto um exemplo, ainda que controverso, e também o teste de desenho criado em 1926 por Florence Goodenough (este é um sobrenome que condiciona destino: em inglês quer dizer “bastante bom”, o que poderia ser uma propaganda para seu teste).

Fica a grande questão: é a arte uma expressão patológica da personalidade? Ao contrário. Muitos artistas dirão que vêem em sua atividade um refúgio para o sofrimento psíquico. Existem artistas doentes, por certo; mas é óbvio que, se não fosse a arte, seriam ainda mais doentes.

Daí a idéia de usar formas artísticas como terapia: a dança, o teatro (através do psicodrama, criado pelo psiquiatra Jacob Moreno).

São especialidades que já reúnem considerável grau de experiência e de sucesso, mostrando que temos, dentro de nós, não apenas os mecanismos que podem conduzir à doença mental como também os meios para curá-la ou melhorá-la.

É verdade: de médico, de poeta e de louco todos nós temos um pouco. É uma mistura que nos ajuda a enfrentar, de forma criativa e não raro gratificante, os agravos da existência.

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