domingo, 21 de setembro de 2008



21 de setembro de 2008
N° 15733 - MOACYR SCLIAR


Mulheres e seus nomes

Guaratinguetá, onde estive na semana passada, a convite da Secretaria de Cultura de São Paulo, é a cidade mais antiga do Vale do Paraíba e berço de gente famosa: Frei Galvão, primeiro santo brasileiro, Dilermando Reis, músico e violinista, Rodrigues Alves, ex-presidente da República, Euryclides de Jesus Zerbini, pioneiro no transplante de coração no Brasil.

Di Cavalcanti era apaixonado pela cidade, e lá pintou o belo Cinco Moças de Guaratinguetá, atualmente no Museu de Arte de São Paulo. O pessoal que me recebeu mostrou-me vários lugares históricos, entre eles a antiga estação ferroviária, construída pelo engenheiro Leandro Dupré.

Leandro Dupré. O nome acendeu uma luzinha na minha cabeça, não por causa do engenheiro, mas sim de sua esposa, cujo nome de solteira não achei em lugar algum, mas que, ao casar-se, tornou-se a senhora Maria José Fleury Monteiro Dupré. Nesta ocasião, deixou também sua atividade de professora e começou a escrever.

Em 1939, publicou o conto Meninas Tristes em O Estado de S. Paulo, com o pseudônimo de Mary Joseph. Mas sua carreira começou realmente em 1941, com a publicação de O Romance de Teresa Bernard.

Este livro e os seguintes foram assinados como Sra. Leandro Dupré. Éramos Seis, que conta a história de Dona Lola, uma bondosa e batalhadora mulher que faz de tudo pela felicidade do marido e dos quatro filhos. A obra alcançou fantástico êxito; foi filmada na Argentina e adaptada para a tevê – quatro vezes! – no Brasil.

A sra. Leandro Dupré hoje é pouco lembrada; no Google há cerca de mil citações a seu nome (na maioria, em anúncios de livros usados). Mas a sua trajetória é interessante por várias razões, entre elas pela maneira como se assinava, e que fala da peculiar relação da mulher com a literatura e com outros ofícios.

Mulher escritora era vista com certa suspeição; nos Estados Unidos ela era “a louca no sótão”, título de um ensaio sobre o tema e que alude a um verdadeiro estilo de vida: depois de trabalhar nas lides domésticas durante o dia, à noite a mulher subia ao sótão e lá entregava-se à sua perversão, escrever.

A sra. Leandro Dupré não chegava a isso, mas pelo jeito não deixava de fazer uma advertência: sou uma senhora de respeito, escrevo livros, mas assino como esposa de meu marido, usando o nome dele. Ou seja: era tão dedicada como dona Lola.

Esta dedicação, que muitos chamariam de submissão, sempre se expressou no fato de a mulher adotar o sobrenome do marido. Manter o sobrenome de solteira era contestação, coisa esquisita.

Meu palpite é que há, na história da sra. Leandro Dupré, um nome que, involuntariamente, dá um recado: é o de dona Lola, aquela do romance.

A Lola mais famosa da história foi Lola Montez, nome artístico da irlandesa Eliza Rosanna Gilbert, que, em meados do século 19, ficou famosa como atriz, bailarina e cortesã: teve tórridos casos de amor com vários figurões, incluindo o rei da Baviera, Ludwig I.

Mary Joseph (notem: a mãe e o pai de Jesus) falava de meninas tristes; mas Lola nos lembra mulheres alegres, prontas a cair na gandaia. Um desejo que pode assaltar qualquer pessoa, homem ou mulher, a qualquer momento.

Não admira que muita gente pense no nome (ou no pseudônimo) como uma forma de exorcizar esta tentação.

Um comentário:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.