sábado, 6 de setembro de 2008



07 de setembro de 2008
N° 15719 - VERISSIMO


Duas festas

Escrevendo numa revista The Nation recente sobre a crescente distância entre ricos e pobres nos Estados Unidos, o jornalista Doug Henwood resumiu sua tese sobre as diferenças entre a velha e a nova elite capitalista americana na descrição de duas festas, uma em 1897,

durante o que ficou conhecido como a Era Dourada do capitalismo empreendedor no país, e uma em 2007, no que já está sendo chamado de Era Dourada do capitalismo rentista mundial. A comparação é educativa.

A primeira festa foi um baile a fantasia oferecido pelo advogado corporativo Bradley Martin e sua mulher, Cordelia, no hotel Waldorf de Nova York em que o financista J.P.Morgan apareceu vestido de Molière, John Jacob Astor foi de Henri de Navarre com uma espada cravejada de brilhantes, e nada menos de 50 mulheres se fantasiaram de Maria Antonieta.

A segunda festa foi de aniversário do empresário Steve Schwarzman, realizado em fevereiro do ano passado num antigo depósito de armas da Park Avenue, não longe do hotel Waldorf.

O depósito de armas tinha sido erguido no século 19 com capital privado para um regimento da Guarda Nacional formado principalmente por jovens da elite nova-iorquina, que vez que outra ajudavam a dispersar grevistas.

Era uma fortaleza construída para enfrentar o nascente movimento sindical, populistas rurais, socialista urbanos e outros radicais – o que na França pré-revolução chamavam de “a classe perigosa” – que inquietavam os ricos da época.

Schwarzman encheu o antigo depósito com centenas de amigos e tratou-os muito bem. Rod Steward ganhou um milhão de dólares para cantar na festa durante meia hora, segundo Henwood.

Preocupado com a reação de “elementos socialistas” da cidade, Martin mandou cercar o hotel Waldorf com guardas da notória empresa de segurança Pinkerton, que durante muitos anos foi sinônimo da violência contra grevistas e manifestações populares nos Estados Unidos, e mandou fechar com tábuas as janelas do primeiro andar.

Schwarzman só teve que se preocupar com o cerco dos paparazzi – nenhum, que se saiba, com tendências socialistas – aos seus convidados. Depois da sua festa, Bradley e Cordelia foram alvos de tantas críticas pelos seus excessos que se auto-exilaram na Europa.

Depois da sua festa Schwarzman ouviu algumas gozações, e perguntas impertinentes sobre os baixos impostos pagos por empresas que gerenciam investimentos privados, como a sua Blackstone, mas continua em Nova York, morando no gigantesco apartamento que um dia pertenceu a John D.Rockefeller Jr. Ninguém da classe perigosa se manifestou.

As 50 Marias Antonietas e os outros fantasiados da festa de Martin eram uma aristocracia do dinheiro tentando ser nobreza, imitando o modelo pré-revolução de ostentação europeu porque não havia outro modo de se representar como elite em contraste com a massa.

Era o único antecedente histórico de riqueza ilimitada e fausto à mão. Na festa do Schwarzman nem a gravata era de rigor, quanto mais as perucas.

O estilo informal americano é hoje o modelo de ostentação para o mundo, porque o volume de riqueza que empresas como a de Schwazman movimentam não tem antecedente histórico. E esta é a diferença que Henwood, no final, destaca.

Com todo o seu ridículo e suas pretensões aristocráticas, a elite de 1897 tinha acabado de montar a infra-estrutura, as usinas de aço e as ferrovias transcontinentais que, por bem e principalmente por mal – os empreendedores da época não eram chamados de “robber barons”, ou barões da falcatrua, por nada – impulsionaram o crescimento do país, e enriquecera construindo uma república industrial.

Enquanto isto, Schwarzman e seus colegas de ramo ficaram super-ricos manipulando o capital financeiro dos outros, construindo uma abstração que se alimenta de si própria e não deixa nada de concreto, salvo, talvez, alguns caroços de azeitona e outras sobras das festas, no mundo.

E não tem nem o bom gosto de convidar alguém melhor do que o Rod Steward para cantar.

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