domingo, 1 de novembro de 2020


17 DE OUTUBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

ILHA DE SENSATEZ 

Em meio ao negacionismo predominante no governo federal, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, emerge como uma ilha de sensatez e racionalidade, tentando contribuir de forma positiva inclusive em temas que fogem à missão precípua da autoridade monetária. Faria bem ao país se ele fosse mais ouvido no coração do Planalto. Em entrevista recente, Campos Neto não tergiversou e admitiu que o Brasil tem sério problema de fluxo de investimentos estrangeiros pelo avanço do desmatamento e das queimadas. Sem ser explícito, deixou claro que em boa parte a situação é resultado do desdém da gestão Jair Bolsonaro com a questão ambiental.

O comandante do BC enxerga o óbvio: o mundo, o que inclui os grandes investidores, fundos internacionais e mesmo o setor produtivo e consumidores, está cada vez mais preocupado com as mudanças climáticas e decidido a preterir e condenar nações que não sigam as melhores práticas relacionadas à preservação da natureza, a questões sociais e governança. É a visão contemporânea do capitalismo, convicto de que proteção ambiental e economia são complementares e um futuro menos incerto para a humanidade depende de atitudes sustentáveis. Visões míopes, agarradas a teorias conspiratórias, apenas agravam o problema.

A lucidez de Campos Neto, destoando de boa parte do governo, também aparece no livro Um Paciente Chamado Brasil, do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, sobre o período que esteve à frente da pasta durante a pandemia. Mandetta narra que o presidente do BC mostrava grande interesse sobre a crise sanitária e seus impactos na economia, buscando gráficos e dados, muitas vezes levando ao colega de esplanada informações que a própria equipe da Saúde não tinha. Enquanto isso, Bolsonaro mostrava preocupação apenas com a sobrevivência política do governo e o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda parecia não compreender a magnitude do problema e fantasiava um crescimento de 2,5% do PIB em 2020. Na questão ambiental, Guedes ainda prefere o discurso surrado de que há um complô contra o Brasil. Mesmo que exista algum exagero na visão externa, a péssima comunicação do Planalto apenas deteriora ainda mais a imagem do país.

O discernimento levou o BC a lançar em setembro um conjunto de ações sobre gerenciamento de riscos socioambientais e integração de variáveis sustentáveis nas análises que nortearão as decisões tomadas pelo banco. Na direção correta, foi uma resposta à pressão dos investidores internacionais. Alertas não faltam. Em junho, por exemplo, fundos que administram US$ 3,7 trilhões advertiram o governo sobre a possibilidade de reverem investimentos e negócios no Brasil. O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, da mesma forma, corre séria ameaça de ser rejeitado.

De forma recorrente, Campos Neto também vem chamando a atenção quanto aos riscos de outra sustentabilidade: a das contas públicas. Admite que a política econômica do governo tem a credibilidade cada vez mais arranhada e a fragilidade fiscal se reflete na desvalorização do real. Trocando em miúdos, o populismo pelo puro cálculo eleitoral de olho no ainda distante 2022 eleva a percepção de que o Brasil flerta com o agravamento da crise, caso o Planalto não mostre na prática convicção nas reformas e respeito ao teto de gastos. Também nesse tema o presidente do BC deveria ser mais ouvido no Planalto - onde os ouvidos parecem cada vez mais moucos.

 

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