28 DE NOVEMBRO DE 2020
FLÁVIO TAVARES - Jornalista e escritor
Novo exército
Outra vez, nos últimos anos, o Rio Grande do Sul ecoou mundo afora pelo horror. O assassinato de João Alberto, em pleno Carrefour, junta-se ao crime que, anos atrás, matou 242 pessoas na boate Kiss, em Santa Maria. Nos dois casos, o tétrico levou nosso Estado às manchetes no país e no Exterior, como se o crime fosse nosso rei.
A diferença de um a outro é sutil, apenas. Na Kiss, o crime nasceu do desdém por algo previsto há muito - o fogaréu transformado em incêndio. No Carrefour, tudo foi preparado por esse "novo exército" das tais empresas "de segurança", batalhões privados com poder de vida ou morte, agindo como se estivessem acima das leis e, até, de Deus.
O que é a tal de Vector, se não um miniexército cujos "soldados" (sem solucionar a querela) reprimiram e castigaram até a morte? Nada vale mais do que a vida, mas as cenas do "castigo" imposto a João Alberto mostram uma sanha inigualável, só comparável aos campos de extermínio nazistas. Não cabe sequer dizer "sanha animalesca", pois nem dois leões famintos matam um terceiro com tanta fúria.
Esse novo exército privado das ditas "empresas de segurança" impõe suas próprias regras de perversa brutalidade. Seus membros mostram-se acima dos cidadãos comuns, portam arma de fogo e têm apoio de quem os contrata. O modelo de agora foi a funcionária do supermercado que, impassível, assistiu ao desenrolar do crime.
Por isto, está presa também, junto com os autores diretos do assassinato. Ela foi surda aos gritos de "socorro" da vítima, concordando, assim, com a brutalidade.
O mal tem origem no poder que desfrutam os tais "exércitos privados", nos quais a ânsia de lucro inculca um comportamento rude e agressivo, que leva ao assassinato.
As tropas dos "exércitos privados" têm milhares de soldados.
O racismo foi apenas um dos aspectos do horror, nunca o único. No caso, foi oficializado pelo presidente e pelo vice-presidente da República.
Mesmo sem o citar especificamente, Bolsonaro o levou à reunião do G-20 e o espalhou pelo mundo alegando ser uma consequência "importada", talvez porque os protestos adotaram, aqui, o lema "vidas negras importam", já usado nos EUA. O vice Mourão afirmou "não haver racismo no Brasil", atenuando a perversão do crime.
Houve lamentos, mas nenhuma palavra oficial condenou a atrocidade em si, nem identificou o poder dos tais "exércitos privados" que, todo dia, aumentam suas tropas. O racismo multiplica o horror, mas não é a causa única da perversão que (em nome da "normalidade") mata num país em que não há pena de morte.
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