19 DE NOVEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA
Quando Porto Alegre desistiu de ser a cidade do futuro
É bonito ser cientista. Chego para alguém e pergunto: "O que você faz?"
A pessoa responde: "Sou cientista".
Já fico admirado, já olho para a pessoa com certa reverência. Porque o cientista é, por definição, inteligente. Ele sabe de coisas que nós não sabemos, ele é incontestável. Se o cientista diz que é, é.
No prédio em que morava, em Boston, tinha uma cientista. Não qualquer cientista, mas uma cientista de Harvard! E melhor ainda: uma brasileira! Gostava de tê-la no prédio. Sentia-me orgulhoso da minha nacionalidade e da minha vizinhança.
Às vezes nos cruzávamos no saguão. Conversávamos rapidamente, ela é uma moça bastante simpática. Então, me punha a cogitar: o que será que está pensando agora mesmo essa cientista? Decerto em fórmulas químicas ou matemáticas, algo com raízes quadradas e números elevados à décima sexta potência, alguma reflexão muito importante, uma ideia de luz que vai melhorar a vida das pessoas.
Boston é uma cidade em que vivem diversos cientistas, gente com Prêmio Nobel e tudo mais. Uma vez, estava no elevador do Dana-Farber Hospital e um senhor entrou. Percebi que, quando os outros passageiros do elevador olharam para ele, ficaram tensos. Uma eletricidade se espalhou pelo ambiente por causa da presença daquele senhor. Assim que ele saiu, perguntei quem era. Um americano respondeu, com solenidade:
"Um Prêmio Nobel..." Fiquei contente de ter estado no mesmo elevador em que estava um cientista vencedor do Prêmio Nobel.
Lembrei desse sentimento, dessa alegria que me assaltava por conviver com cientistas, ao saber, nesta quarta-feira, da morte de Oskar Coester.
Coester era gaúcho, era cientista e vivia entre nós, no Rio Grande amado. Ele foi o inventor do aeromóvel, a maior promessa de futuro radioso, moderno e arejado da história de Porto Alegre. No começo dos anos 80, nos convenceram disso, de que Porto Alegre seria uma espécie de cidade dos Jetsons, com carros silenciosos deslizando sobre trilhos alçados a cinco metros do chão. Sem engarrafamentos, sem poluição, sem ruído, sem acidentes, sem atropelamentos. Seria lindo. Porto Alegre ingressaria no século 21 antes de o século 21 chegar. Estávamos na cidade do futuro.
Mas, depois que os trilhos foram plantados no chão e o aeromóvel foi erguido sobre eles, o nosso velho ranço se abateu sobre nós. Entrava prefeito, saía prefeito, sempre havia um óbice, sempre havia uma questão a resolver, sempre havia uma dúvida a sanar, e o aeromóvel continuou lá, andando todos os dias 200 metros para frente, 200 metros para trás, vazio, melancólico, inútil.
Mas, pensando bem, não. Inútil, não. O aeromóvel serve como uma lembrança e uma advertência. Como um retrato do que poderíamos ter sido. Do que, com nossa acrimônia, com nosso eterno ressentimento, desistimos de ser. O aeromóvel é, na verdade, um monumento à nossa tendência de sempre dizer não.
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