17 DE NOVEMBRO DE 2020
LUÍS AUGUSTO FISCHER
Mais um Piketty
Atravessei o primeiro livro traduzido de Thomas Piketty, O Capital no Século XXI, com grande interesse. Pulei umas partes, devo admitir, mas apenas porque o livro tem aquelas assustadoras quase mil páginas, não por ser o livro mal escrito. Pelo contrário, dá gosto de ler, especialmente porque, para este leitor aqui, a argumentação é clara, as estatísticas são legíveis para quem sabe contar até 10 e não se assusta com a regra de três, e finalmente porque o autor frequenta a literatura, o cinema, até algumas séries dessas de hoje em dia - séries que são uma novidade em formato, ritmo e alcance, relativamente aos filmes de 90 a 120 minutos e às telenovelas de tamanho infinito.
Agora estou com o novo livro, Capital e Ideologia (tradução de Dorothée de Bruchard e Maria de Fátima do Coutto, com revisão de Laura Carvalho, editora Intríseca), ao meu lado, para leitura em horas de folga, que são poucas nessa esquisita rotina nova. São outras mil páginas, mas com novidades que importam para o leitor brasileiro: agora, a história estatística do Brasil entrou na conta, ao lado de outros países que antes estavam ausentes, como a Índia, a África do Sul e países africanos. (China e Rússia também aparecem, mas com menos transparência do que seria desejável.)
Pikkety demonstra nos dois estudos que a história da distribuição da riqueza - este é o seu assunto principal - é profundamente política, não dependendo apenas de mecanismos econômicos. No miolo disso está a educação, em amplo sentido. Trivial, mas não: a tendência de pensarmos em determinismo econômico é forte, às vezes irresistível.
No novo livro, que apenas comecei a ler, o exame da política e da ideologia ganha mais protagonismo ainda. O contexto é a globalização hipercapitalista e digital recente. Como sempre, é "a luta pela igualdade e pela educação, e não a sacralização da propriedade, da estabilidade e da desigualdade, que permitiu o desenvolvimento econômico e o progresso humano". Desenvolvimento depende de combate à desigualdade; e desigualdade se combate com educação e com luta política.
Em miúdos: a desigualdade social é ideológica e política. No Brasil, este lamentável paraíso da desigualdade e agora também da destruição ecológica incentivada, ou em qualquer parte.
LUÍS AUGUSTO FISCHER
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