07 DE NOVEMBRO DE 2020
MARCELO RECH
O candidato sincero
“Um olá a todos os eleitores. Sou candidato a prefeito de uma cidade brasileira e minha plataforma pode ser resumida por uma promessa: só falo a verdade e não omito o que penso, como ajo ou pretendo agir na improvável hipótese de minha eleição.
Na minha campanha, evito mencionar quaisquer sacrifícios e deveres dos cidadãos. Todos estamos cheios deles já, não? Se eu assumir ou continuar na prefeitura, é inevitável que, por falta de dinheiro para tudo, haverá cortes, atrasos e compromissos que não poderão ser colocados em prática. É muito provável que eu tenha de apertar a cobrança de impostos, porque, convenhamos, dinheiro público não cai do céu. Ele só vem de um lugar – do seu bolso de contribuinte.
As pressões que eu sofrerei serão enormes, a começar pelas de dentro de casa. Há muitos departamentos e órgãos na prefeitura que poderiam ser fundidos ou extintos sem fazer a menor falta para a cidade. Na realidade, se fossem apagados do organograma, seria um alívio para os contribuintes, porque haveria menos burocracia e sobraria mais dinheiro para investir em obras, educação e saúde. Mas a verdade é que ninguém gosta de abrir mão de nomear funcionários ou de alguma vantagem.
As ineficiências são óbvias, mas prefiro silenciar, ainda mais nestes tempos bicudos, mesmo que o serviço público devesse existir apenas para servir ao público que paga por ele.
Não vou comprar briga agora. Falar em cortes ou sacrifícios, já disse, não me traz um votinho sequer.
Em campanha, uma controvérsia pode até agradar aqui e ali, mas gera muito barulho e incomoda grupos importantes de eleitores, o que é péssimo para minha imagem. Vou, portanto, passar ao largo de polêmicas, embromar se me perguntarem algo que possa tirar votos e citar a falta de vontade política, seja lá o que isso for, em qualquer oportunidade que se apresentar.
O eleitor gosta de crer em milagres e figuras messiânicas. Então, melhor assumir o compromisso de que multiplicarei os pães, ainda que falte farinha e a padaria pertença ao Estado ou à União. Qualquer manualzinho eleitoral ensina que, em campanha, a gente tem de vender esperança, otimismo e prometer consertar o que está estragado.
É o que faço, porque o eleitor precisa imaginar que sou melhor do que os demais, a quem, claro, falta vontade política. Se eleito, me surpreenderei com a situação financeira da prefeitura, que sempre é bem pior do que parecia, e responsabilizarei os antecessores pelos compromissos descumpridos. Se algo der certo, o mérito será meu.
Se der errado, culparei os outros. Então, ficamos combinados: sendo sincero, não conto com seu voto.”
MARCELO RECH
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