14 DE NOVEMBRO DE 2020
FLÁVIO TAVARES
OS MARICAS
O dia a dia do Brasil prescinde de interpretações ou análises. Bastam as palavras dos governantes para temer o pior, que é entrar no reino da estupidez.
Ou não é estúpido festejar a morte de um voluntário que testou (em São Paulo) a vacina da covid-19? E, ainda, apontá-la como "mais uma que o Jair Bolsonaro ganha". Assim disse textualmente o presidente da República, falando de si mesmo e desdenhando o encontro de vacina contra a nova peste.
A ciência médica não tem autor nem nacionalidade, mas o presidente chama de "vacina do Doria" a imunização vinda da China e testada em São Paulo. Foi além e inventou que provoca "morte, invalidez e anomalia" só porque um dos voluntários paulistanos dos testes se suicidou. Em seguida, a Anvisa mandou suspender os testes realizados pelo respeitado Instituto Butantan, como se a vacina provocasse o suicídio.
Imitando soturno mensageiro do apocalipse, em cena vista na TV, o presidente voltou a clamar que "todo mundo morrerá um dia" e, num ímpeto de machismo explícito soltou a pérola: "Temos que deixar de ser um país de maricas".
O termo "maricas" pode estar fora de uso para definir jeito efeminado, mas continua impróprio a um chefe de Estado. Será "maricas", porém, o povo brasileiro?
Esse palavrório rude pode agradar ao chamado povão, que se expressa assim por ignorância, mas sem ter as responsabilidades do presidente.
O "país de maricas", porém, agora ameaça explodir os EUA, maior potência militar e econômica do mundo. Inconformado com a derrota eleitoral de Trump, Bolsonaro voltou a criticar o vitorioso Biden e o acusou de "intromissão" por ter oferecido (ainda candidato) investir US$ 20 bilhões para o Brasil não destruir a floresta amazônica.
"Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora", afirmou Bolsonaro em público e indagou ao ministro do Exterior com um "né?" de aprovação: "Guerra com diplomacia não dá, né?", disse ele. Jamais houve declaração de guerra em represália a ajuda oferecida.
Para agravar a confusão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tal qual cartomante, previu que o Brasil "pode ir rápido para uma hiperinflação se não rolar a dívida pública de imediato".
Com isso, abriu portas à especulação financeira, um dos fatores inflacionários sobrepostos à dívida. Não expôs, porém, nenhum plano de ação contra o horror anunciado. Portou-se como mero analista do mercado financeiro, não como ministro investido de mando para evitar desastres.
Seremos, mesmo, um país de maricas?
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