sábado, 21 de novembro de 2020


21 DE NOVEMBRO DE 2020
FRANCISCO MARSHALL

AMAZONAS

Em fevereiro de 1542, o explorador espanhol Francisco de Orellana partiu de Quito, atravessou os Andes e, a bordo de um veleiro, singrou águas que o levaram, após seis meses, à foz do rio que hoje chamamos Amazonas. Esse nome vem do relato do frei Gaspar de Carvajal, membro da expedição de Orellana, que contou terem visto na selva guerreiras Amazonas defendendo o Eldorado. Assim veio do velho mundo esse nome para batizar o rio e a floresta que hoje brasileiros insensatos destroem. Mas quem são as Amazonas, onde habitam, do que se alimentam?

Entre os gregos, o nome Amazonas designava uma tribo de mulheres guerreiras habitando os confins do Mar Negro, junto aos montes Cáucaso, e que teriam atacado cidades do Mediterrâneo, como Tróia e Atenas. As métopas (placas em mármore com esculturas em baixo relevo) do Partenon mostram Teseu, rei mítico de Atenas, repelindo ataque daquelas mulheres, para salvação e orgulho nacional. Muitos poetas e artistas ilustraram o mito das Amazonas, das quais não há notícia arqueológica e provavelmente nunca existiram, senão na fantasia de lendas e artes. 

Em sua tribo, diziam, não havia homens, mas elas encontravam-se anualmente nas montanhas com os guerreiros Gargáreos para fins reprodutivos; bebês homens seriam rejeitados. O nome "amazona" vem da tese de que mutilavam o seio direito para ganhar força no braço combatente; após o alfa privativo (como em anormal), vinha a palavra mazós (eventualmente mastós) que, em grego, significa seio. Pobres das canhotas, que perdiam um seio e ainda lutavam com braço fraco!

O mito das Amazonas é uma das formas com que homens gregos elaboraram imagens do mundo feminino, que tanto temiam. Desde Homero (séc. IX a.C.), hostilizaram as mulheres como se fossem feiticeiras sedutoras, como Circe e, na tragédia de Eurípides (413 a.C.), Medéia, ou monstros letais, como as Sereias e Medusa, ou traidoras que conspiram e tomam o poder, como Clitemnestra, ou cujos encantos provocam a guerra, como Helena. A deusa Palas Atena, conta o mito, nasce da cabeça de Zeus, é casta e defende homens como Ulisses e Orestes, a quem absolve do crime de matricídio (originando o voto de Minerva e o in dubio pro reu, pois dá empate), na tragédía Eumênides (458 a.C.), de Ésquilo: "Depositarei este voto a favor de Orestes./ Não há mãe nenhuma que me gerou./ Em tudo, fora núpcias, apoio o macho,/ com todo ardor, e sou muito do Pai." (v. 735-8, trad. Jaa Torrano), o argumento mais machista da literatura grega. Essas memórias ilustram o pavor chauvinista com que autores homens da idade do ferro (primeiro milênio a.C.) representavam e combatiam as mulheres e seus poderes. É o temor agressivo de machos covardes contra fêmeas e também a fonte de fantasias que, conquanto históricas e simbólicas, merecem também o nome reverso das mitologias: mentiras, ou, no jargão atual, fake news.

Eis as mulheres. Hoje, quando troteiam ou galopam com elegância, são amazonas, mas no tempo das ruas, das opções e do futuro que se ergue com amor e inteligência, são mulheres que mudam o mundo para bem melhor.

FRANCISCO MARSHALL

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