14 DE NOVEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA
O primeiro voto a gente nunca esquece
Meu primeiro voto, eu o dei em 1982. Desde 1965 não havia eleição para governador, então aquele evento parecia de uma relevância única, parecia que mudaria em definitivo a nossa vida. Era lindo ter essa impressão de que estávamos transformando o Brasil. Lembro até hoje da sensação de importância que nos tomava quando discutíamos as candidaturas e seu significado e tudo mais. Eu já estudava na Famecos e já trabalhava como jornalista, na assessoria de imprensa da Livraria Sulina. Ou seja: tinha boa consciência do que estava acontecendo e ficava feliz por participar de algo tão grandioso.
Os candidatos a governador eram quatro: Jair Soares, do PDS; Pedro Simon, do PMDB; Alceu Collares, do PDT; Olívio Dutra, do PT. Curiosamente, todos eles acabaram tornando-se governadores nos anos seguintes.
Em quem deveríamos votar? Era só no que falávamos. Nós tínhamos um grupo anarquista, na faculdade. Líamos Bakunin, Proudhon, Tolstoi e Malatesta, tecíamos grandes teses, atravessávamos a PUC em direção à Bento e nos aboletávamos nos bancos de madeira do Maza. Pedíamos cerveja e churrasquinho. E fazíamos planos para salvar o Brasil. Muito salvei o Brasil, nos bancos do Maza.
Nesses saraus, debatíamos, também, a melhor estratégia a adotar na eleição. Não queríamos que vencessem os candidatos do partido que apoiava a ditadura, o PDS. O problema é que não existia segundo turno. Quer dizer: mesmo que os outros três juntos ganhassem mais votos do que Jair Soares, ele poderia se eleger. Pois foi o que aconteceu. Jair teve cerca de 21 mil votos a mais do que o segundo colocado, Simon. Se metade dos votos do último colocado, Olívio, fosse para Simon, ele teria sido eleito. E Olívio fizera apenas 1,5% da votação... A divisão dos partidos de oposição à ditadura deu a vitória à ditadura.
Para nós, foi uma frustração. Ficamos arrasados. O Mal vencera de novo. Decidimos que a única coisa sensata a fazer era ir para o Maza, beber e reclamar do Brasil. Foi o que fizemos. Nossa intenção era nos queixarmos do Brasil até de manhã, mas aí as gurias da aula foram chegando e a noite ficou mais leve e colorida e nós nos esquecemos do Brasil.
Mas o que sempre lembro quando chega o dia de uma eleição, como a deste fim de semana, é do exato instante em que votei, em 1982. Era preciso escrever na cédula, o processo ainda não era eletrônico. E se votava para vereador, deputado estadual, deputado federal e senador, além de governador. Bastante complexo.
Recordo da emoção orgulhosa com que caminhei até a minha seção eleitoral, o coração batendo forte no peito. Recordo da solenidade com que entrei na chamada "cabine indevassável". Recordo que tremi ao tomar a caneta esferográfica com a qual daria o meu primeiro voto.
Sim, eu tremi.
Fiquei surpreso com isso, na época, e fico ainda hoje. Afinal, eu já tinha 20 anos de idade, não era mais um adolescente. Já trabalhava, já ganhava meu salário, já namorava, já lia os clássicos, já fazia planos. E, mesmo assim, senti a mão trêmula ao escrever o nome dos meus candidatos. "Que bobo!", pensei então. "Que bobo!", penso agora.
Mas, admito, queria poder sentir de novo aquele frêmito na hora de votar. Queria me deixar embalar pela ilusão de que o Brasil evolui a cada eleição. Tristemente, não é assim que me sinto. Sinto até certo cansaço com tudo o que ouço e vejo na política. Talvez esteja desanimado, o que é ruim. Talvez tenha me tornado cínico, o que é pior. Ou talvez esteja apenas ficando velho, o que é inevitável.
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