07 DE NOVEMBRO DE 2020
MÔNICA SALGADO
Transo, logo existo
Dia desses encontrei umas amigas pra jantar, e a conversa, como acontece com alguma frequência quando reúnem-se mulheres casadas (acontece mesmo? Ou é meu lado voyeur dando bandeira?) recaiu sobre o assunto: quantas vezes por mês (ano?) vocês fazem sexo?
Jornalista que sou, sempre tenho a vantagem de introduzir - sem trocadilho - o tema com a desculpa de que estou trabalhando numa reportagem sobre ele. "Pra Revista Donna", digo. Outra vantagem de estarmos entre amigas é que o terreno é mais propício para confissões verdadeiras e periodicidades confiáveis.
Quer ver só? Quantas vezes você deparou com pesquisas sobre a vida sexual do brasileiro em telejornais e pensou "Oi? Média de quatro vezes por semana? Mas essas pessoas não trabalham/dormem/têm filhos/malham/arrumam a casa?". Ah, essa milenar arte, inventada pelo ser humano, de se gabar de coisas que não faz por medo do julgamento alheio - e olha que, na maioria das vezes, eu poderia jurar que o "alheio" também não faz. Sim, senhoras e senhores, são estes mesmos deuses do sexo que provavelmente responderiam "ler Dostoiévski" em vez de "assistir A Fazenda" quando perguntados sobre seu passatempo preferido. Aff!
Assim sendo, prefiro meus métodos pouco-ortodoxos-não-científicos: mulheres aleatórias 40+, com ou sem filhos, casadas ou num relacionamento longo, reunidas em torno de uma mesa bem servida de petiscos e vinho tinto - sabemos todos que o álcool dilui os filtros, o que consideramos providencial aqui.
E então, meninas, quantas vezes? "Ai ai ai, lá vem", diz uma. "A hora da verdade!", brada a do lado. "Não pode mentir", manda a outra. "Bom, começo eu", esta que vos fala dá início aos trabalhos. "Já foi mais espaçado, já foi menos. Mas estamos numa boa fase e tem sido uma vez por semana, mais ou menos." Silêncio. Elas digerem minhas palavras, nitidamente tentando colocá-las numa das caixinhas: 1) relação caliente ulalá; 2) relação nem lá, nem cá, tédio e bocejos; 3) relação fria como gelo.
Uma delas quebra o silêncio. Pergunta há quanto tempo estamos juntos. "Quinze anos de casados. Seis anos e meio de namoro", respondo. Ela coça o queixo, reunindo ferramentas para se decidir entre as caixinhas. "É uma boa média, considerando-se o tempo e tal." Não sei se agradeço. Pensando bem, agradeço. Fazer parte de uma "boa média" só pode ser bom, não? Não?
Outra resolve falar. "Tem sido uma vez por semana porque minha terapeuta me cobra uma frequência mínima. Como tenho sessão às quartas, sei que até terça tem que rolar. Dá tanto trabalho mentir pra ela que prefiro transar mesmo." Aplaudimos a sinceridade. A maioria de nós admite que rola uma preguicinha pra começar, mas depois que começa é bom. É realmente importante pra conectar, pro casal não virar brother.
Então, uma terceira, relata: "Uma vez por mês, uma vez a cada dois meses. Mas está bem satisfatório pros dois". E as demais, em uníssono, impedidas de fazer qualquer julgamento depois do "está bem satisfatório pros dois": "Ah, é isso que importa!". E é mesmo, na real. Que ambos estejam alinhados na frequência. Mais do que isso: que sejam flexíveis pra entender que, numa relação, há que se realinhar os desejos constantemente. Os dois têm seus altos e baixos pessoais (de estabilidade emocional, de tesão, de problemas profissionais, de ânimo), que influenciam diretamente nos altos e baixos do relacionamento. O realinhamento deve ser nonstop, em todos os níveis.
Isso sem falar no fator tempo. No início, o céu é o limite - porque o tesão e o medo de ser flagrado, esses não têm limite algum! E dá-lhe acostamento de estrada, banheiro de avião, piscina de resort, praia lotada, estacionamento de shopping, escada de prédio. Uma duas, três vezes... por semana? Não, por dia.
Mas se tem uma coisa que as redes sociais nos ensinaram (e que ainda não aprendemos, porém seguimos tentando) é a não se comparar com o outro. E nem com a gente mesmo, no passado - esse lugar idílico do qual nossa memória seletiva lembra só do que foi bom. É concorrência desleal.
Bem, amigos, minha frequência atual é suficientemente boa. Se preciso for, recalcularemos a rota. E a sua? Me conta? Sabe como é, estou fazendo uma reportagem...
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