28 DE NOVEMBRO DE 2020
DRAUZIO VARELLA
MACHÕES E MARICAS
Um homem de moral não fica no chão, nem quer que mulher lhe venha dar a mão, diz o samba de Paulo Vanzolini.
Desde a tenra infância, ouvimos que "homem não chora", "não dá sinal de fraqueza" e "não pede proteção". Apanhou na rua, tem que revidar, mesmo que o adversário tenha o dobro da idade e do tamanho. Na adolescência, homem de verdade é aquele que afronta qualquer perigo. Quanto mais temerários, mais respeitados seremos pelos pares, ainda que as consequências de nossos atos ameacem a nossa e, eventualmente, a vida deles.
Como consequência, na infância sofremos mais acidentes e fraturamos mais ossos do que nossas irmãs; mais tarde, correremos mais risco de morte no trânsito e por armas de fogo; na vida adulta consideraremos ir ao médico, fazer exames e cuidar da saúde com racionalidade, "coisa de mulher".
Havemos de honrar para sempre o mito de pertencer ao sexo forte, ainda que em desacordo com as evidências mais elementares. Por exemplo: com exceção das sociedades em que as mulheres são mantidas em posições hierárquicas que lhes negam acesso à assistência médica e à alimentação de qualidade, nas demais o tal sexo forte morre bem antes. Pode escolher o país, prezada leitora: Japão, Honduras, Canadá, Coreia, Tanzânia, Marrocos, Austrália ou outro qualquer, em todos a longevidade feminina é maior.
No Brasil, a expectativa média de vida dos homens é sete anos inferior à das mulheres. É visível, basta pensar em quantas viúvas e viúvos você conhece.
Várias publicações na área da psicologia demonstram que a sociedade trata a masculinidade como um valor a ser conquistado graças ao esforço de uma vida inteira que, no entanto, pode ir por água abaixo ao menor vacilo. Em artigo para a revista Scientific American, Peter Glick, professor da Universidade Lawrence, analisa a conduta de três líderes que adotaram a postura de machões empedernidos diante da pandemia atual, em prejuízo das nações que teriam por obrigação defender: Donald Trump, Boris Johnson e Jair Bolsonaro. Segundo Glick, os países governados pelos três foram prejudicados de duas formas.
A primeira é explicada pelo fenômeno conhecido como modelagem social, segundo o qual as palavras e ações de figuras públicas influenciam seus seguidores. Nos comícios da última campanha para a presidência dos Estados Unidos, por exemplo, Biden e seus apoiadores usavam máscara e guardavam distância uns dos outros, enquanto Trump e os seus se acotovelavam com os rostos descobertos.
A segunda é baseada num estudo com cerca de 2 mil participantes, em que o grupo de Glick aplicou questionários para avaliar se os entrevistados concordavam ou discordavam de determinadas normas culturais que recompensam a masculinidade tóxica. Os resultados permitiram validar o que os autores chamaram de "cultura da competição".
Essa competição de "cachorro contra cachorro", que admite apenas duas posições (ou você está de acordo ou é meu inimigo), sintetiza a essência do que a sociedade considera masculinidade. Líderes que cultivam a imagem de machões partem do princípio de que conseguem resolver tudo sozinhos, e que ouvir as recomendações dos especialistas pode ser interpretado como falta de autoridade e colocar em dúvida sua macheza. Afinal, homem que é homem não fraqueja, anda pelas ruas de peito aberto sem medo da morte - principalmente quando é a dos outros. Reações tão desvinculadas da realidade impedem que o conhecimento científico seja traduzido em políticas públicas necessárias para proteger a população.
Enquanto o primeiro-ministro do Reino Unido teve discernimento para rever suas posições, depois de internado em Londres por causa da covid, os outros dois acharam mais importante manter a imagem fake de valentões bons de briga. Apesar de terem adquirido a doença, recebido a melhor atenção médica e transmitido o vírus para familiares, diversos colaboradores e sabe lá para quantos incautos que se juntaram às aglomerações promovidas por eles.
A pandemia desmascarou os perigos desse comportamento insensato e irresponsável, quando adotado por líderes nacionais. Em número de habitantes, o Brasil ocupa a sexta posição no mundo, e os Estados Unidos, a terceira. Não é por acaso que os dois países são os líderes mundiais em número de mortes causadas pelo coronavírus.
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