segunda-feira, 30 de novembro de 2020


30 DE NOVEMBRO DE 2020
CLAUDIA LAITANO

Extraordinárias

Dos mesmos produtores de "não existe racismo no Brasil" continua em cartaz a superprodução de ficção não científica "o machismo já acabou". Diferença salarial? Nem tem. Violência doméstica? Fazer o quê. Descriminalizar o aborto? Um dia.

A boa notícia é que desde que as partes diretamente interessadas passaram a ter mais oportunidades para se manifestar na esfera pública ficou quase impossível sustentar essas opiniões sem corar um pouco.

"Corajosas e anônimas, sim, assim foram milhares de mulheres do passado", anota a escritora espanhola Rosa Montero no prefácio de Nós, Mulheres - Grandes Vidas Femininas (Todavia), livro lançado em 1995 que acaba de ganhar uma edição revista e ampliada no Brasil. São 16 perfis de mulheres extraordinárias - de muito famosas, como Simone de Beauvoir, Agatha Christie e as Irmãs Brontë, a quase desconhecidas. O conjunto inicial foi ampliado com 90 pequenas biografias de novas personagens de diferentes épocas - de uma médica que viveu no Egito em 2700 a.C. a uma jovem feminista síria que nasceu em 1997 e foi morta pelo Estado Islâmico aos 19.

Salvar essas mulheres de sua segunda morte, o esquecimento, ajuda a desmontar certos estereótipos (mulheres sempre priorizaram a família e o conforto, mulheres não pintavam, não escreviam, não se importavam em não poder estudar?) e serve de inspiração para as que acreditam que a história da igualdade ainda está sendo escrita. Como escreveu uma das personagens destacadas no livro, a antropóloga americana Margaret Mead, "nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos sensatos e comprometidos podem mudar o mundo. De fato, são os únicos que conseguiram isso".

Um alerta necessário: Rosa Montero é daquelas escritoras que sabem como prender um leitor. Nenhuma história é narrada sem entusiasmo, lucidez e o genuíno esforço de decifrar os muitos enigmas sem solução que envolvem a vida de qualquer pessoa. Ou seja, não comece a ler esse livro se tiver planos de fazer qualquer outra coisa nas horas seguintes.-

Sobre recontar a História inserindo e valorizando personagens que haviam ficado de fora, recomendo o excelente podcast Vidas Negras, apresentado pelo jornalista Tiago Rogero.

Incluir artistas, cientistas, lideranças e pioneiras de todas as áreas à História que as havia deixado de fora, além de dar o devido valor para personalidades tratadas até aqui como grandes estrelas da segunda divisão, faz parte do esforço para reparar visões distorcidas tanto do passado quanto do presente das mulheres.

CLÁUDIA LAITANO

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