sexta-feira, 13 de novembro de 2020


13 DE NOVEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

A frase que gostaria de ouvir 

Tenho um amigo que é muito dedicado às lides do amor. Está sempre envolvido com mulheres, sempre enlevado, sempre suspirando por uma nova paixão. Mas seu maior prazer não é sentir prazer; é dar prazer. Seu grande anseio é fazer com que as mulheres fiquem enfeitiçadas por suas habilidades carnais. Tanto que, um dia, ele disse algo que me espantou:

"A frase que eu mais gostaria de ouvir na vida, e ainda não ouvi, é: ?Você é uma máquina do sexo?".

Ou seja: ele não queria ouvir "eu te amo", ele não queria elogios sobre seu caráter, sua inteligência ou sua capacidade profissional. Ele queria que uma mulher balbuciasse, depois de plenamente satisfeita pela sua destreza entre lençóis:

"Você é uma máquina do sexo".

Isso me fez pensar: qual é a frase que nunca ouvi e que gostaria de ouvir?

Qual seria a sua, realizado leitor? Você queria ser chamado de mestre? De gênio? De galã? De bom pai ou boa mãe? De Xuxa? A sua resposta dirá muito sobre você. Já eu, sabe o que queria ter ouvido?

"A 10 é tua".

Isso antes do jogo, no vestiário. Todos os jogadores sentados nos bancos de madeira, amarrando as chuteiras, ajeitando os meiões, contando piadas, rindo, e vem o treinador com a pilha de camisas sobre os braços e vai distribuindo uma a uma para os titulares, e então ele se detém na minha frente.

Bem na minha frente.

Olha-me nos olhos.

Há uma luz de admiração em seu olhar. De respeito.

Ele procura uma camisa entre as que estão dobradas em seus braços.

Encontra a que queria.

Alisa-a, com a palma da mão, com certa solenidade.

Estende-a em minha direção.

E proclama:

"A 10 é tua".

Cara, que emoção ouvir isso! Mas nunca ouvi. Já joguei de zagueiro, de lateral, de ponta-direita recuado, de centromédio e até de 8, mas nunca joguei de 9 ou de 10. Nunca.

Sabe por quê?

Por que não jogava tanto quanto um 10 tem de jogar. Dói-me confessar essa nódoa. Dói-me. Mas é a verdade. Logo eu, de quem o maior ídolo é Roberto Rivellino, um 10 típico, clássico, o 10 modelo de todos os 10. Até, digo em minha defesa, até dava lançamentos longos e precisos, de 40 ou 50 metros. Isso sabia fazer. Mas não tinha aquela habilidade inata, viva e envolvente que tinha Rivellino e que têm de ter os 10.

Zico tinha. Ademir da Guia também. E Tostão e Maradona e Messi. E o maior de todos: Pelé.

Só que, dos anos 1990 para cá, os 10 foram se esvaindo na bruma dos estádios. Houve Rivaldo, sem dúvida. E Ronaldinho, que, em algum momento, desistiu de ser 10 e se acomodou às amenidades da margem do campo. E, aos poucos, então, eles sumiram, extintos como os tigres-de-dente-de-sabre.

Mas agora, Hosana nas alturas!, agora surgiu um exemplar. Um lídimo representante dos velhos 10 inimitáveis: Jean Pyerre.

Jean Pyerre tem a elegância de um Ademir da Guia, tem a patada de um Rivellino, tem a cobrança de falta de um Zico, tem a inteligência de um Tostão. Jean Pyerre joga de fraque e pincenê; Jean Pyerre não toca na bola, ele a acaricia; Jean Pyerre vê espaços onde ninguém mais vê, como um profeta, como um buda iluminado, como um verdadeiro 10.

Jean Pyerre é o 10 perdido. O jogador que todo time quer ter. O jogador que todo jogador quer ser. Renato, agora, deu a 10 para Jean Pyerre vestir. Justo. Merecido. Perfeito. Porque só Jean Pyerre é digno de ouvir:

"A 10 é tua".

DAVID COIMBRA

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