sábado, 21 de novembro de 2020


21 DE NOVEMBRO DE 2020
CLAUDIA TAJES

A caravana passa 

Foi com surpresa que recebi alguns e-mails de leitores que se incomodaram com a coluna da semana passada, em que eu recomendava o voto em mulheres para a prefeitura e a Câmara de Vereadores. Não pelo direito de não gostar do texto, sagrado e assegurado a todos, mas pelos argumentos dos missivistas - de xingamentos de tio do zap a teorias meio malucas que, pelo menos, foram motivo para boas conversas e para a presente coluna.

Fazer do limão uma caipirinha, eis o meu lema para evitar (mais) rugas.

Uma das ofensas preferidas de certos leitores é "feminista". Escreveu sobre assédio, política, violência de gênero, padrões de comportamento e de imagem, sexo, creche, saúde, o livro de uma autora ou um evento adverso grave, pode apostar. Lá pelas tantas vai chegar a acusação, gritada em caixa alta e reforçada por pontos de exclamação - que se pretendem veementes. FEMINISTA!!!!!

Uma resposta para todos os e-mails passados, e os futuros: feminista não é insulto, amigos. Muito resumidamente, significa apenas que a pessoa não aceita nem um direito a menos, e que ela defende o direito das outras também. Claro que o todo é bem mais complexo que isso, nada que uma excelente e qualificada literatura não dê conta de explicar. Em Sejamos Todas Feministas, por exemplo, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie fala sobre os estereótipos que caem na cabeça das mulheres que se assumem feministas. É uma leitura que faz pensar sobre a maneira como padrões seculares seguem se reproduzindo na criação de meninas e meninos. Antes que alguém pergunte, não tem nada a ver com mamadeira de piroc*. Pode ler sem medo.

Um e-mail bastante curioso que recebi dizia que "não vejo tanta necessidade de tais candidaturas só pelo fato de serem mulheres. O homem branco heterossexual e das altas classes sociais são os primeiros a sempre favorecerem as mulheres em detrimento dos homens da base da pirâmide social". O homem branco heterossexual e das altas classes sociais permitindo que as mulheres tenham direitos, é isso mesmo? Deixa quieto. Só pode ser pegadinha do Faustão.

Engraçado é que, na sequência, ouvi uma breve entrevista com aquele ex-candidato a prefeito que se apresenta como o maior protetor de animais do Brasil. Nada contra, cada um diz de si mesmo o que quiser. Eu posso falar que a minha é a coluna mais lida do país, e você pode rir da minha cara. Fato é que o tal ex-candidato não dedicou cinco segundos aos bichos em sua entrevista, preferiu passar 10 minutos ofendendo Manuela D?Ávila, Fernanda Melchionna, Luciana Genro, Maria do Rosário, Kelly Matos, Rosane de Oliveira. Até aí, nada de novo. Ele passou a campanha toda fazendo isso.

O que me chamou a atenção foi que o sujeito disse que nenhuma mulher fez tanto pelas mulheres quanto ele. Sim, ele. Por uma simples razão: ele gosta de mulher. É como gostar de carro, explicou. Quem gosta de carro entende de carro. Um exemplo bem fácil de entender, caso a Andressa Xavier, que o entrevistava, não conseguisse captar a sofisticação do pensamento.

Juntando isso com o heterossexual branco rico que me escreveu - se é que não foi pegadinha do Malandro -, terminar a apuração com 31% de mulheres na Câmara de Vereadores alegrou o domingo. E com cinco pessoas pretas eleitas. Dá-lhe, Porto Alegre.

Não se trata de ser feminista, hétero, sapata, trans, esquerdista, direitista, preta, branca, o que for. É apenas por uma sociedade mais plural e sem machismo. Porque a gente merece.

CLAUDIA TAJES

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