sábado, 21 de novembro de 2020


21 DE NOVEMBRO DE 2020
ARCELO RECH

Retórica empacada 

O que Donald Trump, Jair Bolsonaro e Lula têm em comum? Os três são expoentes de um fenômeno que se delineia no mundo da hipercomunicação: todos falam muito, estrilam constantemente, exageram à vontade e, por isso, passam a discursar cada vez mais para as paredes ou apenas para seguidores mais fanáticos. Os reis da retórica se comunicam várias vezes ao dia vias redes sociais ou por declarações em ambientes controlados, onde não podem ser contestados diretamente. Pela repercussão digital entre os convertidos, acham que estão abafando. No mundo real, estão sendo ignorados.

Nos pratos do dia, Trump recita que venceu as eleições, Bolsonaro reproduz a paranoia sobre a segurança das urnas eletrônicas e Lula se considera o condenado mais honesto do planeta. Em breve, Trump será história e, como tantos outros ex inconformados com a rejeição das urnas, se dedicará a tentar emergir do ostracismo. Bolsonaro ainda tem metade do mandato pela frente, mas, com o governo travado pela falta de agenda e reformas, só logra chamar a atenção quando comete uma gafe ou recorre ao ultraje, como no caso do país-de-maricas e da pólvora-quando-acabar-a-saliva. É o efeito cometa: brilha por um tempo, cega alguns e depois some na escuridão até a próxima aparição. Já Lula despertava mais interesse durante o silêncio forçado de seus 580 dias de prisão. Livre e de volta à verborragia, perdeu a aura de injustiçado, e muitas de suas lives não atraem um público maior do que o eleitorado de Mutunópolis.

De tanto se repetirem, os três empacaram em retóricas que produzem uma sensação de fastio e não movimentam peças da realidade. Não surpreende, portanto, que os protestos de Trump passem batido, que apenas 13 dos 59 candidatos endossados por Bolsonaro tenham conseguido se eleger em 15 de novembro e que Lula assista ao outrora reduto petista de São Paulo derreter, com seu candidato e prestígio, para 8,7% dos votos, o pior desempenho da história do partido na cidade.

Na era da hipercomunicação, o excesso vulgariza e neutraliza as manifestações, transformando-as em paisagem. Estão ali, mas poucos dão bola. Quando muito, geram torrentes de memes e piadas. Como se constata nas redes, as declarações de Bolsonaro e Trump, como já ocorreu com Lula e Dilma em tempos outros, são inesgotáveis fontes para pilhéria. Já é alguma coisa. Pelos menos não se cai no sono.

MARCELO RECH

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