segunda-feira, 16 de novembro de 2020


16 DE NOVEMBRO DE 2020
CLÁUDIA LAITANO

Solo

It takes two to tango ("é preciso dois para dançar o tango"), dizem os americanos. O ditado, que costuma valer para o amor e seus contrários, talvez não se aplique bem ao próprio tango - como qualquer um que já assistiu ao solo de um bailarino nas ruas de Buenos Aires é capaz de atestar. Tradicionalmente um jogo em duplas, o xadrez há décadas também dispensa interações: qualquer enxadrista misantropo tem horas de diversão garantida com apenas um computador e uma boa conexão diante de si.

Meus conhecimentos sobre xadrez foram do "quase nada" ao "um pouco mais do que isso" depois de assistir à série O Gambito da Rainha, que estreou em outubro na Netflix e rapidamente tornou-se uma das mais comentadas do ano. A protagonista, Beth Harmon (Anya Taylor-Joy), é uma menina órfã que descobre um dom excepcional para o xadrez. O "gambito" é um lance do jogo em que se sacrifica uma pedra para obter uma vantagem de posição. Beth é mestre na antecipação das jogadas do adversário, mas associa esse talento inato a um vício adquirido.

O Gambito da Rainha é aquele tipo de trama de época que reinventa um passado que poderia ter sido, mas não foi. Nunca houve uma campeã de xadrez como Beth Harmon nos anos 1960 - a húngara Judit Polgar, que se destacou por derrotar alguns dos melhores jogadores de xadrez do planeta e chegou a dar um xeque-mate em Kasparov, nasceu em 1976. Essa "história alternativa" nos leva a pensar em quantos talentos são desperdiçados, em tantas áreas diferentes, quando se ignora a espantosa capacidade da nossa espécie para contrariar estereótipos e superar expectativas.

No plano mais evidente, a série conta a história de uma mulher que paga um preço ("um gambito") por se destacar em um ambiente dominado por homens. Mas O Gambito da Rainha é também sobre dançar tango sem parceiro, em voo solo, cultivando relações que não envolvem contratos, pactos de fidelidade ou laços de sangue, mas que fazem toda a diferença entre ser sozinho e ser solitário. No xadrez, como na vida, não é apenas um rei, ou uma rainha, quem decide o rumo da partida.

CLÁUDIA LAITANO

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