terça-feira, 24 de novembro de 2020


24 DE NOVEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Mais lindas que os olhos lilases de Yelena 

Como estarão as Cataratas do Iguaçu? Ando preocupado com isso. Semanas atrás, vi uma reportagem de TV sobre as Cataratas. A estiagem fez com que seu formidável fluxo d?água diminuísse e agora o que se vê são apenas fiozinhos brancos escorrendo desanimados pelo despenhadeiro.

Fiquei chateado. Realmente chateado. Até sonhei com as Cataratas do Iguaçu, para falar a verdade.

É que, bem, vou lhes dizer algo sobre as Cataratas do Iguaçu: é um dos espetáculos mais deslumbrantes que vi na vida, e olha que já estive a palmo e meio dos olhos lilases da Yelena Isinbayeva, tão perto que podia lhe sentir o calor doce da pele e o odor de chocolate branco do hálito.

Ah, Yelena...

Mas as Cataratas. Estive lá em 1999, quando cobria a Copa América do Paraguai - no milênio passado, portanto. Os repórteres de Zero Hora éramos eu e o Serginho Villar, o fotógrafo era o Mauro Vieira. Num sábado de folga da Seleção, decidimos que conheceríamos as Cataratas do Iguaçu. Fazia uma linda manhã de sol, com o ar fino que se forma depois de uma noite de chuva.

Confesso que fui sem grandes expectativas. Sabia que uma queda d?água é coisa bonita de se ver, mas entendia, também, que não passava de mais uma das tantas belezas da natureza, como o mar ou a montanha.

Só que não. Não é assim.

Dizer que fiquei boquiaberto quando cheguei ao coração das Cataratas, é dizer muito pouco. Não fiquei boquiaberto, fiquei emocionado. Aquela massa d?água poderosa, gigantesca, densa, atirando-se em jorros intermináveis pelo abismo abaixo, produzindo uma espuma branca que saltava em gotas coloridas para todos os lados, nos batendo no peito e no rosto e criando 10, 15, 20 arco-íris. E o som, meu Deus! Aquele som! Era o ronco da Terra, um bramido que abafava nossas vozes enquanto urrávamos de alegria. Sim, era isso que fazíamos: nós gritávamos, de fascinados que estávamos com aquela manifestação de poder da natureza. E o mato úmido em volta, e os pequenos bichos que nos rodeavam, e o sol que rebrilhava em cada folha de árvore, em cada pétala de flor, tudo opulento e delicado ao mesmo tempo.

Como foi lindo, aquilo. Tão lindo, que pensei: um dia, quando tiver meu filho, vou trazê-lo aqui, para que ele experimente essa sensação única de estar DENTRO das Cataratas. De fazer parte delas. Pois foi isso que senti: parecia que eu e as Cataratas éramos a mesma unidade. Que eu pertencia a elas e elas a mim.

E agora, que enfim tive um filho, e que voltei ao Brasil, agora queria levá-lo lá, quando essa peste passar, e mostrar-lhe aquela glória do mundo. "A glória do mundo é transitória", diziam os antigos romanos. Mas não essa glória. Essa não pode ser. A glória das Cataratas há de ser eterna. Por favor, digam-me que recuperaram sua glória as Cataratas do Iguaçu.

DAVID COIMBRA

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